The White Lotus: Estruturas de Poder Sob o Sol Tropical
Em 1778, o navegador James Cook foi o primeiro ocidental a entrar em contato com os polinésios que habitavam as ilhas do Havaí. Pouco tempo depois, a nação, formada por tribos independentes, começou a exportar açúcar. A partir de 1795, as tribos começaram a ser unificadas por meio de violentas batalhas, que tiveram ajuda ocidental e levaram ao estabelecimento do Reino do Havaí. A política do reino era fortemente influenciada pelos brancos que se estabeleceram na ilha como proprietários de terras e missionários. Essa influência culminou em 1893, quando os descendentes dos europeus, que detinham o poder econômico, promoveram um golpe de Estado (apoiado pelos EUA) e estabeleceram um governo provisório. Em 1898, o território foi anexado aos EUA, sendo convertido em estado em 1959.
A primeira temporada de The White Lotus acompanha as férias havaianas de um típico grupo de americanos brancos e ricos no resort de luxo cujo nome dá título à série. Na superfície, o clima da narrativa é semelhante ao de uma novela, mostrando os dramas e as desventuras dos personagens ao longo de alguns dias. Porém, o que a produção tenta fazer é estabelecer conexões entre os privilégios dos turistas e a História de colonialismo do local, que agora serve como a materialização de uma fantasia de paraíso tropical.
Poucas dessas conexões são mostradas de forma explícita, o que faz a série depender do conhecimento do espectador para realmente transmitir sua mensagem. Para quem não conhece a História e as consequências do colonialismo europeu durante a Idade Moderna, The White Lotus pode ser apenas uma série engraçadinha sobre personagens excêntricos. Porém, a maioria das interações entre os personagens escondem cicatrizes de uma herança colonial que é dolorosa para os descendentes dos colonizados e indiferente para os descendentes dos colonizadores. Um dos momentos nos quais isso fica explícito é quando uma das personagens expressa seu desconforto com o fato de que a herança cultural dos habitantes originais do arquipélago se tornou uma fonte de entretenimento para os turistas brancos.
E “desconforto” é a palavra chave aqui. Mesmo quando não há um desconforto por motivos históricos, há os desconfortos causados pelas relações de poder e pela falta de tato entre os personagens. As situações vão lentamente evoluindo do corriqueiro para o insuportavelmente embaraçoso, evidenciando a falta de autoconsciência dos envolvidos. Os egos inflados e as imagens que essas pessoas tentam projetar vão se tornando insuportáveis. Tanto os adolescentes quanto os adultos se consideram sábios e profundos, quando na verdade conseguem ser apenas convencionais e superficiais.
Há o ricaço que idealiza a masculinidade do pai; há o herdeiro mimado e recém-casado cujo comportamento é marcado pela mesquinharia; há a bela e recém-casada jornalista que se deixou seduzir pela beleza e pela riqueza do “príncipe encantado” e que agora tem dúvidas sobre a vida de luxo que está prestes a começar; há a estressada e controladora executiva de sucesso que apoia as mulheres mas que reproduz comportamentos tóxicos; há as jovens universitárias tão progressistas quanto narcisistas, que se consideram no direito de julgar todos ao seu redor; e há a ricaça insegura e emocionalmente traumatizada que, apesar de deter grande poder econômico, não possui estrutura psicológica para lidar com a maioria das coisas da vida.
Porém, a trama de The White Lotus não se limita a mostrar esses personagens como meros “vilões”, adicionando mais uma camada à complexa situação. Suas condições como ricos e privilegiados não os impedem de ter problemas e inseguranças como quaisquer outros seres humanos, com a grande diferença de que eles não precisam se preocupar com o próprio sustento ou com boletos vencidos. Depois de todas as atribulações pelas quais eles passam ao longo dos seis episódios, o criador e roteirista Mike White é “misericordioso” e dá finais relativamente felizes aos turistas.
Isso não muda o fato de que, conforme voltam para casa razoavelmente satisfeitos com as férias, eles deixam um rastro de destruição nas vidas de alguns dos funcionários. No caso mais emblemático, o que era para ser um inconsequente ato de rebeldia, que também foi incentivado por um dos visitantes, serve apenas para transformar um dos funcionários em um “bandido perigoso” e um dos hóspedes em um “herói corajoso”. O lado mais fraco perde o pouco que tinha, enquanto o lado mais forte mantém o poder e recupera o respeito da família.
The White Lotus é uma sátira social que não está interessada em prover respostas ou em defender um ponto de vista, se limitando a apresentar a complexa situação de desigualdade social em várias camadas. Repleta de humor negro e capaz de provocar ansiedade com cenas mundanas acompanhadas de uma tensa trilha sonora, a produção revela parte da escuridão que se esconde sob a superfície de um luxuoso e ensolarado paraíso tropical.