Succession: Traumas e Guerrilhas Emocionais


* Esse artigo foi escrito antes do terceiro episódio da quarta temporada de Succession

Os dois primeiros episódios da quarta e última temporada de Succession vão direto ao assunto e mostram o clima de guerra total na família Roy. As facções estão formadas, as negociações são complexas e as retaliações são impiedosas. O que já se destaca nessa última leva de episódios é o uso de “armamento pesado” por todos os lados, com os sutis jogos psicológicos das temporadas anteriores sendo substituídos por conflitos diretos e ainda mais artimanhas desleais. Aparentemente, já não há nada sagrado nesse “campo de batalha” emocional.

succession emocional 1A “aliança rebelde” formada pelos irmãos Kendall (Jeremy Strong), Siobhan (Sarah Snook) e Roman (Kieran Culkin) enfrenta a “superpotência” de Logan Roy (Brian Cox). Porém, enquanto a coisa toda ganha ares de uma épica batalha jurídica e empresarial, são as fragilidades humanas de todos esses personagens que se destacam. Por mais que eles estejam o tempo inteiro tentando convencer uns aos outros de que suas atitudes são perfeitamente racionais, o espectador sempre consegue enxergar a mesquinhez e a mediocridade de algumas das decisões tomadas nessa e nas outras temporadas.

Obviamente, o espectador só consegue enxergar essas características por estar assistindo de um ponto de vista privilegiado, de fora da ação. Se cada um de nós estivesse nas situações desses personagens, nós também tomaríamos atitudes irracionais e erráticas com base em nossa limitada visão de mundo e em nossas (conscientes ou inconscientes) necessidades emocionais. Afinal de contas, isso já é basicamente o que fazemos em nossas vidas.

Um exemplo disso na vida real é o fato de que muitos espectadores estão o tempo inteiro avaliando quem está certo e quem está errado em Succession, chegando a formar torcidas para um ou outro membro da família Roy. Essa necessidade de “torcer” para uma das “facções” é perfeitamente normal, mas está longe de ser algo puramente racional. A história da série tem sempre um ar de tragédia, com essas pessoas incrivelmente ricas sofrendo e se perdendo em labirintos emocionais e psicológicos porque as únicas coisas que faltam em suas vidas não podem ser compradas.

Sendo assim, não faz muito sentido querer que um dos lados saia vencedor sobre o outro. Não há heróis e vilões aqui. O que há é mais uma iteração de um ciclo de abuso e negligência emocionais que começou muito antes da miserável infância de Logan e que deve continuar de alguma forma com seus netos, que não parecem estar recebendo muita atenção de Kendall. Um dos melhores resultados possíveis na trama seria os irmãos enxergarem e interromperem o ciclo de traumas dos quais eles fazem parte. A verdeira “vitória” aqui seria não transmitir os traumas de (ou causados por) Logan para as gerações futuras.

succession emocional 2Um exemplo claro dos efeitos desses traumas é a vida de Connor (Alan Ruck). Enquanto os outros irmãos estão mais uma vez tentando superar o pai no “campo de batalha” para conquistar seu respeito, ele segue buscando aprovação em outros lugares e tentando se orgulhar dos mecanismos psicológicos que desenvolveu para lidar com uma vida sem atenção, sem reconhecimento e sem amor. Apesar de ser o mais velho e ter praticamente criado os irmãos, sua vida atual é marcada pelas mais diversas formas de solidão.

Ao buscar aprovação no mundo político, ele se alinha com movimentos de extrema-direita, apesar de não dar sinais de que realmente entende ou se importa com as implicações das ideias radicais às quais está se associando. O importante para ele é ser reconhecido como alguém relevante e ser levado em conta em assuntos de extrema importância, o que não ocorre em sua família. Como já mencionei em outras resenhas, isso realça as semelhanças entre o personagem e seu “modelo” na vida real: Donald Trump.

No caso de Trump, é possível ver algumas das evidências de suas inseguranças no sexto episódio da primeira temporada da série documental Na Rota do Dinheiro Sujo, que faz um resumo dos “negócios” do magnata e de seus vários fracassos. Além de buscar a aprovação de figuras da máfia, Trump chegava ao cúmulo de vazar informações para colunas de fofoca pedindo em troca apenas que continuasse sendo referido como “bilionário”, apesar da denominação não se aplicar depois das fortunas que ele perdeu em negócios mal pensados e mal gerenciados. Já durante sua presidência dos EUA, Trump ainda buscava de forma quase infantil a aprovação e o respeito de Vladimir Putin.

Assim como os traumas pessoais de Trump tiveram muitas consequências para muitas pessoas no mundo real, os traumas dos bilionários irmãos Roy podem fazer muito estrago no mundo de Succession. As absurdas quantidades de dinheiro que essas problemáticas pessoas controlam faz com que muitos inocentes possam ser vitimados pelo “fogo cruzado” enquanto eles lutam desesperadamente entre si em busca de um pouco de amor.