Ratanabá: Em Busca de uma Civilização


Em 28 de agosto de 1682, um assassinato ocorria na região onde hoje está o município mineiro de Pedro Leopoldo. Naqueles dias, o bandeirante paulista Borba Gato estava tendo diversos desentendimentos com Rodrigo de Castelo Branco, o Superintendente-geral das Minas, enviado da Coroa portuguesa. Em uma das versões da história, Borba Gato, “tomado por violento ardor”, empurrou Castelo Branco de uma altura considerável, causando-lhe a morte. A outra versão diz que Castelo Branco foi morto em uma emboscada realizada por dois funcionários de Borba Gato, a mando do bandeirante.

O que se sabe com certeza é que Borba Gato passou mais de quinze anos como foragido da justiça, se escondendo nas matas inexploradas e vivendo em meio às populações indígenas da região.

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Em meados de junho de 2022, uma estranha teoria tomava conta de parte da Internet brasileira. A cidade perdida de Ratanabá seria um centro urbano que existiu há 450 milhões de anos na região onde hoje está a Floresta Amazônica. Hoje, seus túneis subterrâneos esconderiam riquezas e tecnologias ainda desconhecidas para a humanidade. As maravilhas a serem encontradas seriam suficientes para alterar os rumos da nossa civilização.

A história de Ratanabá possui vários paralelos com a lenda de El Dorado, a mítica cidade de ouro que levou muitos aventureiros ao seu fim. Um deles foi o britânico Percy Fawcett, cuja trajetória é mostrada no filme Z: A Cidade Perdida. Em 1925, ele e seu filho Jack Fawcett desapareceram na Serra do Roncador, no estado de Mato Grosso, enquanto buscavam a mítica cidade. Seus corpos jamais foram recuperados e até hoje não se sabe exatamente o que aconteceu com eles.

Quatrocentos anos antes, El Dorado também havia sido uma das obsessões de Lope de Aguirre, o louco e violento conquistador que se rebelou contra a Coroa espanhola. Sua história inspirou o filme Aguirre, a Cólera dos Deuses, cuja trama fictícia serve como uma alegoria para a loucura e obsessão que toma conta de alguns homens.

Mas cidades douradas ou civilizações antigas não são as únicas coisas que se pode buscar na Amazônia. No filme Operação Fronteira, por exemplo, ex-militares dos EUA adentram a floresta em busca do esconderijo secreto de um narcotraficante, onde ele armazena a maior parte de seu dinheiro. O plano de roubar uma fortuna ilegal parece perfeito, pois a “vítima” não teria a quem recorrer. Porém, a ganância e os traumas que os ex-soldados levam com eles fazem o “plano perfeito” sair completamente de controle.

Já os cineastas portugueses do documentário Nheengatu sobem o Rio Negro não em busca de riquezas, mas sim de uma língua quase perdida. O nheengatu é uma das ramificações da língua geral falada no Brasil durante o período colonial. Baseada no tupi-guarani e influenciada pelo português e por outras línguas indígenas, a língua nheengatu ajudou na colonização da Amazônia por jesuítas e por tropas portuguesas.

Obviamente, a história de Ratanabá não tem nada a ver com fatos históricos. A teoria foi desenvolvida (ou melhor, imaginada) pelos mesmos “estudiosos” que desenvolveram teorias da conspiração anti-vacina e terraplanista. Aparentemente, na ausência de um autêntico conhecimento acadêmico, esses grupos criam as próprias teorias pseudo-acadêmicas e se apresentam como grandes especialistas em temas que só existem em suas próprias cabeças. Com a ajuda de ideias fixas, obsessões e delírios, eles espalham esse tipo de conteúdo como se estivessem espalhando uma verdade escondida.

Mas por que esse tipo de ideia ganha tanta atenção nas mídias sociais? A resposta curta é que muitas pessoas, incluindo os auto-intitulados “estudiosos”, precisam acreditar nessas histórias. Se não acreditassem, elas teriam que encarar a realidade da situação.

Por exemplo, essas pessoas precisam acreditar que a atual destruição da Amazônia está ocorrendo para o benefício da humanidade, pois o desmatamento irá revelar as grandes riquezas e tecnologias escondidas em Ratanabá. Se elas não acreditassem em Ratanabá, então teriam que aceitar a realidade de que a Amazônia está sendo destruída em nome de forças econômicas, como madeireiros e narcotraficantes, que pretendem obter lucros de curto prazo com a exploração da floresta. Elas teriam que aceitar inclusive que essa exploração desenfreada vem se acelerando graças à omissão do poder público nos últimos anos.

Em outras palavras, elas precisam acreditar em Ratanabá para resolver um problema de dissonância cognitiva.

Coincidentemente, a história de Ratanabá, que já existia há alguns anos, se espalhou pela Internet brasileira justamente quando o país inteiro acompanhava as buscas pelo indigenista Bruno Pereira e pelo jornalista Dom Phillips, que foram assassinados na Amazônia durante uma viagem para cobrir a invasão de terras indígenas por exploradores ilegais. A questão é: a quem interessa usar a insólita história de Ratanabá para ajudar parte da população a ignorar o chocante caso de assassinato? Quem está interessado em encobrir esse crime?

Esse está longe de ser o primeiro caso de violência de fronteira ocorrido no Brasil. Para alguns especialistas, o desmonte de políticas de proteção da Amazônia ocorrido nos últimos anos gerou um cenário de terra de ninguém e clima de “liberou geral”. No cenário internacional, os assassinatos de Pereira e Phillips representam mais um desgaste na já deteriorada imagem do Brasil em termos de proteção do meio ambiente. Em meados de 2019, um analista de uma conceituada revista de relações internacionais já perguntava: quem irá invadir o Brasil para salvar a Amazônia?

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Em 1698, dezesseis anos após o assassinato, o ainda foragido Borba Gato negociou seu perdão, tanto por meio de interlocutores quanto diretamente com o governador Artur de Sá Meneses. Sua promessa era de que se a Coroa lhe isentasse do crime, ele apresentaria minas ainda desconhecidas e trabalharia em prol da prosperidade de Portugal. A proposta foi aceita e ele recebeu a função de Tenente-general do Mato, atuando na gerência e no controle das volumosas minas.

Sendo assim, Borba Gato recebeu exatamente as mesmas funções do homem que ele havia assassinado.