Possibilidades Artificiais
Recentemente, comentários feitos pelo bilionário Elon Musk tem mais uma vez levantado a polêmica sobre a ameaça da Inteligência Artificial (IA). Porém, ao contrário do que se pode imaginar, ele não está se referindo a um eventual “levante das máquinas” contra a humanidade, mas sim ao poder que esse tipo de tecnologia pode colocar nas mãos de alguns poucos países, ou mesmo algumas poucas pessoas.
Já falei aqui sobre o documentário Zero Days, que explica a concepção do malware Stuxnet e apresenta uma preocupação principal: ao contrário do surgimento das armas nucleares, cujo uso foi amplamente discutido pela sociedade, a ascensão do desenvolvimento e utilização das chamadas “cyber-armas” tem ocorrido longe do olhar público. O próprio Stuxnet só passou a ser conhecido publicamente depois de vazar na Internet e ser analisado por especialistas de segurança independentes, que, por sua vez, ficaram chocados com o potencial destrutivo daquele software. Se infectasse sistemas vitais de infraestrutura, o Stuxnet poderia causar a morte de um considerável número de pessoas.
O uso de IA em operações militares e de inteligência oferece riscos semelhantes. Da mesma forma que o Stuxnet foi detectado por profissionais de segurança, ele poderia ter sido descoberto por governos inimigos ou, pior, grupos criminosos independentes, como terroristas ou fraudadores. Enquanto uma explosão nuclear deixa um rastro de destruição e radiação, o uso de armas cibernéticas deixa pra trás, além da possível destruição, “rastros” que podem ser utilizados para reconstruir a “arma” por meio de engenharia reversa.
Mas como essas armas podem funcionar?
Pensamento Matemático
Os principais agentes inteligentes populares atualmente são baseados em métodos estatísticos ou em Lógica de Primeira Ordem. O campo do Aprendizado de Máquina está intimamente ligado aos métodos estatísticos que seus algoritmos usam como base para tomar ações ou classificar dados. Essas relações com outras áreas de conhecimento evidenciam o fato de que esses sistemas não estão realmente “pensando”, mas sim tomando decisões computacionais com base em dados fornecidos pelo ambiente e em algoritmos escritos por programadores.
Em outras palavras, esses sistemas não estão conscientes. Se um deles toma uma decisão que cause prejuízos ou perdas de vida, o sistema não pode ser considerado responsável por ela. Alguns especialistas insistem em dizer que alguns desses agentes inteligentes tomam decisões não programadas, o que pode causar alguma confusão: não é que o sistema “pensou melhor” e decidiu sair de sua programação normal, mas sim que ele foi desenvolvido para lidar com padrões que podem não ter sido previstos pelos desenvolvedores. Por mais sofisticado que isso seja (como essas aplicações), está longe de ser um raciocínio.
Esse tipo de limitação está presente mesmo em obras de ficção científica nas quais uma IA é o grande vilão. Por exemplo, em Eu, Robô uma IA programada para servir e proteger a humanidade decide que a maior ameaça aos humanos são eles mesmos, e decide que a única forma de garantir a sobrevivência da espécie é retirando-lhe a liberdade. No filme, uma das “armas” desenvolvidas para lidar com a ameaça é um robô que possui não apenas uma consciência, mas também sentimentos.
O quão distantes estamos desse tipo de Inteligência Artificial?
O Peso da Existência
Existem duas limitações principais que nos impedem de desenvolver uma autêntica consciência artificial.
A primeira delas é o fato de que ainda não entendemos perfeitamente como nosso cérebro funciona. Ainda que tenhamos uma ideia geral e sabemos quais partes são ativadas quando realizamos certas atividades ou temos certos pensamentos, ainda não somos capazes de entender como as informações são codificadas nele e como exatamente conseguimos recuperá-las. Os maiores avanços nessa área tem sido realizados por pesquisadores que buscam a possibilidade de apagar memórias traumáticas sem afetar as memórias normais do indivíduo. De acordo com uma dessas descobertas, quando nos lembramos de um acontecimento não nos lembramos do acontecimento em si, mas sim da última vez que acessamos aquela memória. Ou seja, depois de certo tempo, cada lembrança que temos é uma lembrança de uma lembrança.
Mesmo se tivéssemos esse conhecimento, ainda teríamos que lidar com uma segunda limitação: poder computacional. A maioria das comparações feitas entre o poder computacional do cérebro humano e o dos computadores desenvolvidos até o momento conclui que nossos cérebros ainda estão várias ordens de grandeza à frente da tecnologia. Além disso, se nem esses computadores gigantes conseguem igualar nossa capacidade de processamento (apesar da concorrência estar chegando), imagine ter que compactá-los para caber na cabeça de um robô humanoide, como os replicantes de Blade Runner: O Caçador de Andróides. Para isso, teríamos que ir bem longe na computação quântica.
Indo além, ainda que tivéssemos conhecimento absoluto sobre nosso cérebro e o poder computacional para simulá-lo, teríamos que avaliar exatamente que tipo de consciência estaríamos criando. O comportamento humano e a experiência de existir não são definidos apenas pelo nosso cérebro. Todos os outros sistemas que compõem o corpo humano (motor, endócrino, digestivo, etc.) tem papel fundamental na formação de nossas personalidades, pois é com esses “instrumentos” que interagimos com o mundo. Como seria a personalidade de uma entidade consciente inteiramente virtual?
Essa mesma pergunta é válida para as pessoas que pretendem viver eternamente ao transferir suas consciências para um computador: a consciência transferida seria realmente você? O software teria módulos que simulariam nossos cinco sentidos, nossos hormônios, nossos sentimentos? Se a resposta for sim, essa máquina teria que ser muito mais poderosa que o cérebro humano. Mas essa pessoa ainda poderia ser chamada de Homo Sapiens ou teríamos que categorizá-la como uma nova espécie? Homo Virtualis?
Talvez um dia tenhamos as respostas pra essas perguntas, ou talvez a busca por uma “consciência virtual” seja abandonada tal qual a busca pela transformação de qualquer metal em ouro. Por hora, nos resta continuar pesquisando enquanto procuramos outras formas de viver eternamente.