Tribos
A estratégia de organização de um cardume minimiza a probabilidade de cada peixe ser devorado por um predador. Em outras palavras, é mais provável que um determinado peixe seja devorado quando está nadando sozinho do que quando está nadando em um grande cardume. A questão não é apenas de quantidade, mas também de cooperação, pois as manobras evasivas de um cardume são bem mais eficazes que as manobras evasivas de um único peixe. Focado em um único peixe, um predador tem grandes chances de pegá-lo; focado em um cardume, um predador pode até mesmo ficar sem a refeição do momento.
Não é de se estranhar que estratégias de cooperação em grupo sejam utilizadas por muitos outros seres vivos, em suas várias formas: enxames, manadas, matilhas, tribos, etc. Nos primórdios da experiência humana, eram as tribos que garantiam a proteção e a subsistência das pessoas, mesmo que isso significasse guerrear com outras tribos. Tornamo-nos então seres sociais e a (r)evolução tecnológica que deu origem à agricultura permitiu o surgimento das primeiras civilizações. E evoluímos como sociedade. Apesar dos pesares, estamos agora no momento mais evoluído da sociedade humana, com abundância de recursos e avanços tecnológicos inimagináveis aos antigos. Porém, nem todos os aspectos daquele tipo de vida foram abandonados, e o comportamento tribal é um deles.
A necessidade de colaboração nos leva a nos organizarmos em grupos, e esses grupos acabam por garantir a continuidade da existência da sociedade e da humanidade. Estar em um grupo nos traz inúmeras vantagens e garantem até mesmo a nossa saúde mental. Porém, não são os aspectos positivos dos grupos que me fascinam, mas sim os negativos. O que me fascina em particular é a facilidade com a qual praticamente qualquer grupo pode descender à um perigoso nível tribal.
A segurança e outras garantias oferecidas pelo grupo, e que possibilitam que as pessoas construam os alicerces necessários para uma sociedade melhor, proporcionam também o ambiente perfeito para a frutificação de ideias e comportamentos extremistas e destrutivos. Não importa se é uma religião, um partido político ou um grupinho de amigos, mais cedo ou mais tarde um comportamento que nenhum de seus membros seria capaz de ter individualmente acaba emergindo. Uma vez que tenha a validação do grupo, qualquer comportamento se torna justificável. Sob essa proteção, as pessoas podem trazer à tona o que há de melhor e de pior nelas.
Qualquer ideia pode ser defendida desde que haja um grupo de pessoas grande o suficiente para que cada uma delas se sinta confortável em defendê-la, independente da qualidade da tal ideia.
Vê-se então que há conforto ao se fazer parte de um grupo. Há liberdade. Há simplicidade. Mesmo que um determinado participante não tenha uma ideia original para tentar defender, ele pode simplesmente adotar as ideias defendidas pelo grupo. É uma via de duas mãos: ele pode participar de um determinado grupo porque esse grupo defende determinadas práticas e ideias, ou pode passar a defender determinadas praticas e ideias porque o grupo do qual ele faz parte as defendem. Dessa forma, o indivíduo não precisa ter e/ou defender suas próprias ideias. É muito mais cômodo seguir o caminho da manada, seja lá qual for a manada.
Na grande manada, que seria a nossa sociedade como um todo, é um fardo ser diferente. A maioria dos que ficam de fora não o fazem por opção, mas porque, de alguma forma, não se encaixam nesse grande grupo. Isso pode até se tornar uma vantagem, pois a alienação permite que um individuo tenha uma visão privilegiada e, muitas vezes, mais clara do que está acontecendo. Esse indivíduo não fica limitado às ideias desse grupo, e pode superá-lo de diversas formas. Porém, ele não está imune à possibilidade de que as ideias originais que ele teve sejam incorporadas e passem a fazer parte do status quo, que mais uma vez se fecha a ideias diferentes. Esse é o ciclo pelo qual nossa sociedade vai evoluindo.
Mas um grupo é realmente nocivo quando se torna incapaz de ver os próprios defeitos e refuta tudo o que é externo à ele. É o limite de um xenófobo comportamento tribal. Podemos encontrar manifestações desse comportamento em rivalidades e brigas de torcidas esportivas, em campanhas e posicionamentos políticos e em sectários conflitos religiosos.
Especificamente na área política, existe a manifestação maior dessas tendências: o fascismo. Pode parecer difícil e complexa a criação de um grupo fascista, mas em 1967 um professor do ensino médio em Palo Alto, California fez um experimento para tentar mostrar aos seus alunos como a população alemã pode ter sido capaz de aceitar (ou dizer que não sabia nada sobre) o extermínio dos judeus que estava sendo realizado pelo regime nazista. No terceiro dia de experimento, o professor já havia perdido o controle do grupo, que à essa altura já era um movimento fascista por si só.
Esse é o relato do professor Ron Jones sobre a criação da Terceira Onda (há também um ótimo filme alemão baseado nesse relato: A Onda). No espectro religioso, uma trágica manifestação dessas tendências é o caso do reverendo Jim Jones e o Templo dos Povos, que resultou na morte, por suicídio ou assassinato, de 918 pessoas. Esses exemplos mostram como praticamente qualquer grupo pode ser radicalizado e, de repente, se tornar uma tribo em estado de guerra.