Os 15 (ou mais) melhores filmes que assisti em 2016
10. Rogue One – Uma História Star Wars (2016)
Que fique claro que Rogue One: Uma História Star Wars está dividindo essa posição não apenas com Star Trek: Sem Fronteiras, mas também com Rua Cloverfield 10. Os dois primeiros dispensam apresentações e fazem jus a suas franquias, não apenas homenageando-as mas também expandindo-as seja em termos de dramaticidade ou ação. Rogue One já é considerado um dos melhores Star Wars, e não estranharia se for o novo favorito de muita gente. Já Star Trek: Sem Fronteiras foca na ação e na diversão, incluindo uma cena final de batalha que inclui o melhor uso de trilha sonora em cena de ação já visto no cinema (na minha humilde opinião, pelo menos).
Em Rua Cloverfield 10, temos um curioso suspense que funcionaria com ou sem elementos de ficção científica. Era de se esperar alguns desses elementos, já que o filme é uma continuação “espiritual” de Cloverfield: Monstro, mas o que temos durante a maior parte da projeção é um suspense repleto de tensão e paranoia, com muito mais elementos psicológicos que fantásticos envolvidos. Para alguns, o fato de que o filme tem um final “louco” e explosivo acaba estragando um ótimo suspense, mas é aí que ele se destaca como ficção científica: fica claro que durante a maior parte do filme o que vimos foram os efeitos de acontecimentos fantásticos sobre o comportamento e as relações humanas, uma abordagem típica das melhores ficções científicas já feitas ao longo da história do cinema.
9. Tickled (2015)
Se você está se sentido otimista em relação aos rumos da nossa hiperconectada civilização, sugiro três documentários que tem tudo para tirar seu sono por, pelo menos, algumas semanas, além de mudar sua visão sobre o bravo mundo novo no qual vivemos. Comece em tom de comédia e reflexão com Eis os Delírios do Mundo Conectado, um ótimo documentário do renomado cineasta Werner Herzog (que também em 2016 lançou o ainda melhor e mais impressionante Visita ao Inferno). Nele, o cineasta fala sobre a história, alguns problemas e o futuro da tecnologia e do mundo conectado, às vezes em tom jocoso, às vezes em tom melancólico.
Pule então para Zero Days (sobre o qual escrevi extensivamente aqui), no qual um fantástico conjunto de entrevistas com hackers, militares e jornalistas de várias partes do mundo explica o surgimento do worm Stuxnet e como a próxima geração de armas de destruição em massa está sendo desenvolvida sem o menor acompanhamento ou discussão do público em geral.
Enquanto durante o desenvolvimento e testes de armas nucleares a opinião pública reagiu fortemente (o que obrigou as autoridades a serem menos ousadas e criarem regulamentação específica para essa tecnologia), o desenvolvimento de poderosas armas cibernéticas, que tem o potencial para inutilizar a infraestrutura de países inteiros, é feito sob absoluto sigilo e, praticamente, à margem dos poderes legislativos e judiciários. Não tem como dar errado.
Mas é em Tickled que o terror fica próximo e pessoal. O documentário, que começa com um de seus diretores pesquisando sobre um assunto que pode lhe render mais uma típica “notícia bizarra” da Internet, navega lentamente do humor casual para um assustador e imprevisível suspense da vida real. Em última instância, o filme mostra como uma pessoa problemática e cheia de dinheiro pode usar o anonimato da Internet para controlar ou destruir as vidas de pessoas que jamais verão seu rosto.
Escrevi uma crítica sobre o filme aqui, ao fim da qual faço alguns comentários com spoilers para mostrar que a bizarra história continua mesmo depois dos créditos finais: a pessoa “problemática” (e, provavelmente, criminosa) da qual o filme trata aparece durante uma exibição especial e confronta um dos diretores. As ameaças que se seguem jogam mais luz sobre a personalidade de uma pessoa que se vê como inteligente e intocável, quando na verdade é apenas alguém que tem tanto dinheiro quanto questões psicológicas não resolvidas.
8. O Convite (2015)
Nesse fantástico exercício de construção de clima, um homem ainda atormentado por uma tragédia do passado é convidado para um jantar entre amigos na casa da ex-esposa, onde eles moravam juntos. Ao longo da noite, ele começa a suspeitar que há algo muito estranho naquela situação. Talvez isso seja provocado pelo fato de que ele ainda não superou a tragédia que os atingiu, o que o está deixando paranoico.
Cada pessoa lida de forma diferente com as coisas da vida, e talvez o estranho comportamento de sua ex-esposa seja apenas sua forma de lidar com o ocorrido. Ou talvez não. Instável e incapacitado de confiar em seus próprios instintos, o protagonista começa ele mesmo a agir de forma estranha, nos levando por um pesadelo psicológico onde nem os personagens e nem o espectador sabe exatamente o que está acontecendo. Mesmo se passando em uma espaçosa casa de Los Angeles, o suspense é claustrofóbico e está presente em cada instante da projeção, resultando no que pode ser considerado o filme mais hitchcockiano do ano.
Com um clima semelhante, ainda que bem menos intenso, o suspense espanhol Ninho de Musaranho também é uma ótima opção para os fãs do estilo. Nele, duas irmãs que moram juntas vão entrando em um conflito doméstico que vai ficando cada vez mais intenso. A mais velha é conservadora, controladora e sofre de agorafobia, e seu comportamento fica ainda mais instável quando percebe que não vai conseguir controlar a jovem irmã por muito tempo. Quando um atraente vizinho entra em cena, as coisas realmente começam a sair do controle. O filme também lembra outros ótimos suspenses espanhóis, como A Espinha do Diabo e O Orfanato, ainda que sem o fator sobrenatural.
7. A Bruxa (2015)
A Bruxa deve ser um dos filmes que mais decepcionou espectadores em 2016. Divulgado como um perturbador filme de terror, os fãs do gênero provavelmente esperavam muitos sustos e talvez alguma violência gore (que podem ser encontrados nos filmes comentados na 14ª posição dessa lista). Ao invés disso, eles encontraram um soturno terror psicológico que mexe com alguns dos medos mais profundos da cultura cristã.
As ameaças que assolam uma família isolada na primordial América do século XVII são as mesmas “prometidas” em sermões e na própria Bíblia, sejam elas sobrenaturais ou decorrentes de falhas humanas. É quando caem em “tentações” que as forças do mal passam a agir em suas vidas. O filme não apenas explora os medos dessa família fundamentalista cristã, mas também os concretiza das piores formas possíveis. O inglês arcaico utilizado pelos personagens contribui para o clima de terror, causando a impressão de estarmos presenciando as ações de um mal antigo e dando origem a algumas das falas mais memoráveis do ano, dentre elas:
Wouldst thou like the taste of butter?
A pretty dress?
Wouldst thou like to live deliciously?
Esse não é o único filme recente a lidar com a mitologia e os medos primordiais de uma cultura religiosa. Na coprodução polonesa e israelense Demon, um homem prestes a se casar é possuído por um dybbuk, típico personagem do folclore judeu. O tema é tratado de forma interessante e inusitada, apesar do filme não ser tão divertido ou profundo quanto poderia. A produção é envolta em acontecimentos reais que acabam por adicionar ao seu misticismo, como o suicídio de seu diretor, Marcin Wrona. Nascido em uma cidade polonesa cuja metade da população foi exterminada pelos nazistas e criado por um pai violento que trabalhava como exorcista, o jovem cineasta sofria com problemas psicológicos e parece ter se desesperado quando Demon não teve a recepção esperada nos festivais de cinema do qual havia participado.
Já o terror O Lamento mexe com as superstições do povo sul-coreano, especialmente a difundida prática do shamantismo. A narrativa começa em clima de comédia mas vai lentamente sendo tomada pelo mais absoluto terror, incorporando tanto elementos de filmes de zumbi quanto de filmes de exorcismo. Como em A Bruxa, o filme concretiza alguns dos medos mais básicos das pessoas que acreditam no sobrenatural (nesse caso, nos poderes dos shamans).
Essa temática é muito relevante no atual momento político vivido pela Coreia do Sul, já que a presidente do país está sendo removida do cargo devido a acusações de ter deixado uma shaman influenciar os assuntos do governo. O Lamento é um prato cheio, pecando apenas por ser mais longo (2h36m) e ter mais reviravoltas do que precisava. Em contraste, um terror curto e eficiente que também assisti no ano passado é I Am a Ghost. Com um baixíssimo orçamento, o filme consegue manter um clima assustador ao mostrar uma história de casa mal-assombrada sob o ponto de vista da entidade que a assombra, focando nas questões psicológicas que a deixam presa no mundo dos vivos.
6. Elle (2016)
Controverso e repleto de humor negro, Elle explora alguns dos lados mais sombrios da personalidade humana, sejam da protagonista ou de seus coadjuvantes. Da minha crítica:
Esse e outros aspectos da vida de Leblanc já dariam um ótimo filme, mesmo sem o arco sobre violência sexual. Além da empresa, ela tem que lidar com o filho preguiçoso, que engravida sua controladora e instável namorada; seu ex-marido, que tem uma jovem e inteligente companheira, o que a deixa com ciúmes; sua mãe, que está em um “relacionamento” com um gigolô e já pensa em se casar com ele. Ela própria está tendo um caso com o marido de sua sócia, o que não a impede de mostrar bastante interesse em seu charmoso vizinho, que é casado com uma dedicada moça católica.
Mesmo essa boa moça citada ao fim parece ter um lado não convencional, o que surpreende tanto o espectador quanto a protagonista. O filme não julga ou tenta explicar em detalhes esses comportamentos, limitando-se a apresentá-los e deixar o espectador chegar a suas próprias conclusões. Alguns críticos reclamam que a história não passa de uma fantasia sem nexo do diretor Paul Verhoeven, mas o fato é que não é tão difícil encontrarmos realidades bem mais estranhas que essa ficção.