Não Siga o Seu Coração
No fim do dia 27 de junho de 2010, a canadense Emma Czornobaj dirigia seu carro por uma rodovia de quatro pistas nas proximidades de Montreal. Ao ver uma família de patinhos atravessando a estrada, ela parou seu carro na pista mais à esquerda (segundo testemunhas, sem ligar o sinal de alerta e sem fechar a porta do lado do motorista) e foi resgatá-los. Pouco tempo depois, um caminhão teve que ir bruscamente para pista da direita para não atingir o carro. Duas motos vinham atrás desse caminhão. Em uma estava Pauline Volikakis, e na outra estavam seu marido, André Roy, e sua filha, Jessie Roy. A moto de André (que estava acima do limite de velocidade) bateu no fundo do Honda Civic de Czornobaj e ele e sua filha morreram no local. A moto de Volikakis também bateu no carro e ela ficou gravemente ferida, mas sobreviveu.
Julgada como se houvesse a intenção de matar, a pena máxima que Czornobaj poderia receber era de prisão perpétua. Entretanto, em 2014 ela foi considerada culpada apenas de direção perigosa e negligência criminosa, recebendo uma pena de 90 dias de prisão (a serem cumpridos nos finais de semana), 240 horas de trabalhos comunitários e 10 anos sem poder dirigir. Em 2015, ela apelou da sentença e em junho de 2017 a apelação foi negada.
Pode-se dizer que o mal calculado ato de bondade de Czornobaj custou quatro vidas: além das duas vítimas fatais, nem sua vida e nem a de Pauline Volikakis jamais serão as mesmas.
Em seu testemunho, Czornobaj disse que não viu outros carros vindo e achou que era seguro parar. Claramente, ela não levou em conta todas as variáveis envolvidas, como o fato daquela ser uma estrada de alta velocidade e de estar em um ponto de visibilidade limitada para quem vinha na mesma direção. Talvez ela caiu na armadilha do wishful thinking: ao invés de levar em conta as consequências diretas e previsíveis de suas ações, ela foi otimista e achou que o resultado seria exatamente o que ela estava imaginando. Com isso em mente, ela rolou os dados e todos os envolvidos saíram perdendo.
A promotora do caso defendeu que a tragédia não foi um acidente, dizendo: “Será que uma pessoa razoável e prudente na mesma situação que a acusada faria o mesmo… para salvar alguns patos? (…) [Czornobaj] fez escolhas. Ela tomou decisões. Ela estava ciente do perigo.”
Mas será que ela realmente tomou decisões ou será que apenas reagiu emocionalmente às circunstâncias dos patinhos sem pensar nas implicações dos seus atos no mundo ao redor?
Fake News
A reação emocional não dá espaço para a racionalidade ou para uma análise objetiva dos fatos ou situações. Ela é um dos princípios ativos nos estragos já causados pelo fenômeno das notícias falsas no Brasil e no mundo. Um típico manipulador (e conhecedor de técnicas de propaganda) sabe que não é preciso dizer algo inteiramente falso para se obter uma determinada reação; basta “noticiar” um evento de forma sensacionalista e tendenciosa, dando destaque ou omitindo detalhes de forma a conduzir a opinião pública para a direção desejada.
Em primeiro lugar, isso funciona porque todos nós queremos, acima de tudo, saber a verdade. É difícil para muitas pessoas aceitar que certas informações não existem (por exemplo, qual o tamanho exato do Universo?) ou são indefinidas. Ao invés da dúvida e da incerteza (que são perfeitamente aceitáveis na prática científica), elas preferem aceitar alguma “verdade”. E uma vez que essa demanda por “verdades” surge (e ela aumentou substancialmente na nossa era da informação), ela é acompanhada de uma oferta.
Nessa matéria, a Folha de São Paulo mostra como localizou e entrevistou um prolífico produtor brasileiro de notícias falsas. Focado no retorno financeiro que tem com os cliques e acessos, ele explica seu ponto de vista:
“O que fazemos são modificações [sobre o noticiário] para tornar a notícia mais fácil e interessante. (…) Quem tem de saber o que é verdade ou mentira é quem lê a matéria.”
Esse pensamento é um complemento perfeito para um outro viés cognitivo: a crença de que já sabemos o suficiente e não temos mais nada a aprender. Isso acontece principalmente com pessoas mais velhas, que acreditam já ter visto o suficiente do mundo e rejeitam quaisquer novidades que contrariam o que já sabem. É o conhecido viés de confirmação, que é explicado com mais detalhes nesse artigo: ansiedade e estresse podem explicar crença em em conteúdo falso.
Com toda essa auto-confiança, as pessoas passam a acreditar que são difíceis de serem enganadas e ficam ainda mais susceptíveis aos efeitos das notícias falsas.
Poder e Inteligência
Em determinada cena de O Poderoso Chefão: Parte 3, Michael Corleone (Al Pacino) diz para seu sobrinho:
Jamais odeie seus inimigos. Isso prejudica o seu raciocínio.
Quando nos deixamos levar por impulsos emocionais, ao invés de tomarmos as ações necessárias para atingir um objetivo específico, nós tomamos ações que simplesmente refletem nossos sentimentos, sem pensar em possíveis consequências negativas para nós próprios ou para outros. Como se isso não fosse o bastante, algumas pessoas veem isso como uma qualidade, um sinal de que a pessoa impulsiva é autêntica e verdadeira. Porém, mesmo quando o objetivo é expor nossos sentimentos, o mínimo de calma e planejamento ainda é necessário para garantir que a comunicação ocorra sem ruídos e que não seremos mal compreendidos.
Ao agirmos com base em impulsos emocionais, nós abrimos mão do controle. Um impulso emocional é muito mais fácil de ser previsto do que o resultado de um raciocínio calmo e ponderado. O verdadeiro controle que podemos ter em qualquer situação é o auto-controle. Dessa forma, diante de um oponente que age de forma impulsiva, nós podemos esperar que ele cometa erros. Diante de um aliado que exibe esse tipo de comportamento, nós podemos, no mínimo, fazer um controle de danos.
Mas atingir um nível satisfatório de auto-controle pode não ser uma tarefa trivial. Antes de mergulhar nessas dicas para desenvolver inteligência emocional, talvez devemos praticar a desobediência. Uma das razões do sucesso evolutivo da humanidade foi o desenvolvimento de nossos mais básicos instintos, mas muitos deles podem nos trazer problemas em uma sociedade civilizada. É por isso que precisamos aprender a desobedecê-los. Sendo assim, ter auto-controle significa domar a fera interior ao invés de dar ouvido a seus comandos.
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Esses são apenas alguns dos motivos pelos quais não é uma boa ideia nos limitarmos a “seguir o coração”, e até existem outros textos com o mesmo título desse post. Além de tratarem dos motivos religiosos e profissionais, eles também falam de relacionamentos e saúde mental.