Crítica: Warrior Nun – 1ª Temporada
Warrior Nun, EUA, 2020
A “freira guerreira” da Netflix chega mostrando que não está de brincadeira e promete uma segunda temporada ainda melhor
★★★★☆
A primeira temporada de Warrior Nun é uma típica história de origem de super-heróis. A série segue à risca a fórmula que a Netflix estabeleceu em suas séries de personagens da Marvel (Demolidor, Jessica Jones, Luke Cage, Justiceiro e Punho de Ferro), e isso traz consigo tanto as vantagens quanto as desvantagens do formato. Mas no geral, essa temporada inicial faz um ótimo trabalho de introdução para um incrível grupo de “freiras” armadas até os dentes e especialistas em artes marciais que combatem demônios e realizam exorcismos com bastante violência.
Os primeiros episódios são mais dedicados ao desenvolvimento dos personagens e ao estabelecimento dos alicerces da trama, o que testava a paciência do espectador nas séries da Marvel mas que funciona de forma mais satisfatória em Warrior Nun (que também é baseada em quadrinhos). O tempo investido nisso colabora para que a protagonista Ava (Alba Baptista) tenha uma evolução relativamente realista, dada a sua nova situação: depois de ficar tetraplégica aos sete anos de idade, ela passou a maior parte da sua vida sobre a cama de um orfanato espanhol, até o momento no qual, após sua morte, ela recebe a Aréola mágica que lhe ressuscita e lhe dá superpoderes.
Diante disso, é apenas normal que a prioridade de Ava não seja ficar confinada em um convento e só sair para colocar sua vida em risco na caçada a criaturas do inferno. Os seis primeiros episódios exploram toda a indecisão da garota (que já tem até um interesse amoroso), com direito a um sexto episódio que se dá ao luxo de ser mais calmo e contemplativo, o que é facilitado pelas belas paisagens e pela impressionante arquitetura histórica do interior da Espanha.
Nos quatro últimos episódios, a busca por respostas se acelera, até que uma impressionante série de revelações bombásticas vira a trama de cabeça para baixo no episódio final, que termina com um frustrante cliffhanger no meio de uma batalha. Assim como no caso de The Witcher, essa primeira temporada parece ser apenas uma introdução de luxo para a verdadeira história que os realizadores pretendem contar.
Felizmente, essa é uma introdução suficientemente insólita e divertida, além de ser repleta de ação. O humor e as batalhas parecem feitos sob medida para despertar a nostalgia nos fãs da “lendária” Buffy: A Caça-Vampiros, série que marcou época e que tem seu cantinho especial nos anais da cultura pop (nesse nível). Se conduzida da forma correta e os roteiros ficarem um pouco mais afiados, Warrior Nun pode ter um impacto semelhante sobre uma nova geração de espectadores.
E personagens icônicos não faltam. Enquanto a protagonista está vagando pelas ruas tentando tomar alguma decisão, são as conflitantes personalidades das personagens de apoio que prendem a atenção do espectador. A intensidade da Irmã Lilith (Lorena Andrea) está sempre em choque com o pavio curto de Shotgun Mary (Toya Turner), enquanto a calma, a disciplina e a eficácia da Irmã Beatrice (Kristina Tonteri-Young) estão sempre a serviço de manter o equilíbrio no grupo. Mesmo o Padre Vincent (Tristán Ulloa) e a novata Camila (Olivia Delcán) mostram que não estão de brincadeira quando a situação se complica.
Além disso, a portuguesa Alba Baptista dá a sua Ava os tons corretos para torná-la uma personagem memorável. Da forma como foi escrita, a protagonista corria o risco de ser apenas uma heroína genérica passando pelas mesmas atribulações que, a essa altura, vários outros personagens já passaram na TV e no cinema. Nesse aspecto, a narração em off com seus pensamentos não ajuda muito, apesar de deixá-la mais próxima do estilo narrativo dos quadrinhos. Mas Baptista inclui trejeitos e entonações que adicionam um ar de originalidade à personagem, o que a torna uma intérprete promissora. Ela ainda não é nenhuma Sarah Michelle Gellar, mas está no caminho certo.
A série também possui uma ótima candidata a vilã em Jillian Salvius (Thekla Reuten), uma empresária e pesquisadora altamente motivada em desvendar os segredos do pós-vida. Ela não é uma pessoa maligna ou má intencionada, mas o que a torna perigosa é sua dedicação cega ao objetivo de salvar a vida de seu amado filho. Isso faz com ela entre no modo “custe o que custar”, deixando a moral e os escrúpulos em segundo ou terceiro planos. Ela promete ser uma vilã complexa, e ainda não vimos o melhor dela nessa primeira temporada.
Warrior Nun pode causar alguma polêmica devido à forma como representa a Igreja Católica, mas essa é uma representação que nem é necessariamente ofensiva e nem está muito longe da realidade. Os aspectos históricos, políticos e econômicos do Vaticano estão muito mais próximos do mundo dos homens do que do plano divino. Mesmo a mitologia católica apropriada pela série já foi explorada de formas tão “criativas” quanto aqui, como na própria Buffy: A Caça-Vampiros e no filme Constantine.
Em suma, a primeira temporada de Warrior Nun recompensa a paciência do espectador com personagens icônicas e ótimas cenas de ação, além de uma interessante e promissora mitologia (que pode render um bom número de temporadas). Quem estava precisando de uma série sobre freiras fortemente armadas e altamente treinadas combatendo demônios do inferno não vai se decepcionar. Só o fato de Shotgun Mary ser tão icônica quanto seu nome já justifica a produção.