Crítica: Tickled

Tickled, Nova Zelândia, 2016



Além de engraçado, controverso documentário é um dos melhores suspenses do ano

★★★★☆


Quando o jornalista neozelandês David Farrier, especializado em histórias bizarras e engraçadas encontradas na Internet, descobriu a existência de estranhos vídeos sobre “resistência competitiva a cócegas”, ele achou que tinha ali uma boa história. Mas quando começou a receber respostas agressivas e homofóbicas dos representantes da empresa Jane O’Brien Media, que promove a competição, ele ficou ainda mais curioso. Depois de descobrir mais alguns detalhes sobre a misteriosa empresa e receber atenção de várias partes do mundo (inclusive mais ameaças da Jane O’Brien Media) devido a um post em um blog, ele e seu amigo Dylan Reeve resolveram fazer um documentário sobre o assunto. Tickled se tornou um sucesso de crítica e um dos documentários mais comentados e controversos do ano, e foi disponibilizado no Netflix no último mês de novembro.

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O filme começa leve e engraçado, e vai ficando cada vez mais bizarro. Assim que informa que pretende fazer um documentário, Farrier começa a receber mais ameaças judiciais e a Jane O’Brien Media envia três representantes de Nova York para a Nova Zelândia. Fica claro que a empresa está disposta a investir pesado para evitar a realização do filme. Tudo isso deixa os dois diretores, Farrier e Reeve, intrigados com o que uma empresa que promove “competições de cócegas” teria a esconder. Eles viajam então para a América e alguns dos detalhes que eles descobrem parecem ter saído de filmes de terror.

O primeiro ex-participante dos vídeos de “competição de cócegas” com o qual os realizadores conseguem conversar revela que quase teve sua vida destruída por Jane O’Brien. Depois que ele removeu do YouTube um vídeo que a empresa havia disponibilizado sem sua permissão, Jane O’Brien passou a infernizar a vida do rapaz: ela disponibilizou o vídeo em TODAS as plataformas existentes (YouTube, Vimeo, DailyMotion, etc.) e criou um website unicamente dedicado a ele, incluindo vários de seus dados pessoais, como endereço de email, telefone e endereço residencial. A mulher que se identificava como representante da empresa chegou a enviar o material para os chefes dele, acompanhado de um email no qual, dentre outras coisas, perguntava se a instituição realmente queria um funcionário que havia participado de vídeos como aquele.

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E as revelações que se seguem são ainda mais chocantes, e revelam uma teia de crimes, abusos e mentiras que parece existir desde meados dos anos 1990. A revelação principal parece ser a de como uma pessoa rica e reclusa (e que, possivelmente, possui diversos transtornos psicológicos, dente eles a sociopatia) é capaz de se manter anônima e usar a Internet para ameaçar e efetivamente prejudicar as vidas de dezenas (talvez centenas) de pessoas. Rapazes jovens, pobres e de porte atlético do interior dos Estados Unidos (e também de várias partes do mundo) são atraídos para o esquema graças a generosos pagamentos em dinheiro e presentes, mas quando mudam de ideia e pretendem sair recebem as ameaças e abusos descritas no parágrafo anterior. O filme detalha muito bem essas e outras ações, e chega a entrevistar um dos ex-recrutadores da Jane O’Brien Media.




Os detalhes que explicitei até aqui são alguns dos menos bizarros exibidos no documentário, pois realmente não quero estragar os plot twists. Os dois diretores fizeram um ótimo e profundo trabalho investigativo, apesar de que poderiam ser mais transparentes em relação a certos detalhes, o que inclusive pode dar munição para os “vilões” desmascarados (ver comentários com SPOILERS no fim do texto). Mas nada disso estraga a produção ou diminui o índice de bizarrice e, porque não, terror contidos na história.

Comentários com SPOILERS

Em uma exibição especial do documentário, seguida por uma sessão de perguntas e respostas com o diretor Dylan Reeve, os próprios vilões do filme, incluindo David D’Amato, apareceram e começaram a questioná-lo e repetir ameaças. O vídeo, postado pela Magnolia Pictures, começa com uma discussão entre Reeve e Kevin Clarke, um dos homens que D’Amato enviou para a Nova Zelândia no início do filme. Por volta dos 43 minutos vemos como mais uma vez D’Amato rouba a atenção e faz ainda mais ameaças judiciais ao diretor.

Além disso, D’Amato criou um blog dedicado apenas a criticar o trabalho dos dois diretores no filme, o que é semelhante ao tipo de coisa que ele faz com os rapazes que decidem parar de participar em seus vídeos.