Crítica: Thor – Ragnarok
Thor: Ragnarok, EUA, 2017
Ação e comédia como nunca antes na franquia do Deus do Trovão
★★★★☆
A Marvel Studios mais uma vez acerta a mão e consegue reinventar em grande estilo a franquia do Deus do Trovão, usando claras influências dos Guardiões da Galáxia e explorando todo o potencial cômico e pop do herói. O destaque fica não apenas com as piadas hilárias, mas também com a injeção de adrenalina que o espectador recebe a cada sequência de ação (principalmente as embaladas pela clássica Immigrant Song). A inspiração no Ragnarök torna o filme ainda mais grandioso, com acontecimentos que vão repercutir em todo o Universo Cinematográfico Marvel (MCU).
Os 30 primeiros minutos já são um show à parte e descrevê-los aqui poderia estragar algumas surpresas. Basta dizer que como resultado do surpreendente despertar da vilã Hela (Cate Blanchett), a Deusa da Morte, Thor (Chris Hemsworth) e Loki (Tom Hiddleston) vão parar em um dos limites do Universo, no planeta Sakaar. Sem o Mjölnir, que foi destruído por Hela, Thor é vendido para o Grão-Mestre (Jeff Goldblum) como um escravo-gladiador, transação realizada pela também asgardiana Valkyrie (Tessa Thompson). Impressionado com o “Senhor do Trovão”, o Grão-Mestre o coloca para lutar contra seu grande campeão: o incrível Hulk (Mark Ruffalo).
Apesar dos vários momentos expositivos que detalham a origem de Hela, o passado de Valkyrie, o que Thor esteve fazendo desde o último filme dos Vingadores e como Hulk/Banner foi parar em Sakaar, a narrativa não perde o fôlego. Isso se deve não apenas às fantásticas sequências de ação, mas também ao ótimo trabalho de desenvolvimento dos personagens. Além de mais uma vez explorar a relação entre os irmãos Thor e Loki, essa entrada da franquia também aprofunda a relação entre o Deus do Trovão e Hulk/Banner, focando na rivalidade entre os heróis e na simetria entre suas personalidades.
Mas em um filme no qual praticamente todos os personagens são absurdamente cool, o destaque fica para as duas personagens femininas aqui introduzidas. É praticamente impossível tirar os olhos de Valkyrie e Hela em cada cena em que elas aparecem. As atrizes parecem se divertir com a vilania caricata de Hela e a rebeldia vacilante de Valkyrie. No fim das contas, são as duas que tiram Thor de sua zona de conforto e o colocam na situação mais vulnerável na qual ele já se encontrou.
Um personagem que acaba sendo desperdiçado é o Skurge de Karl Urban. Se Thor: Ragnarok fosse um filme mais sério, essa versão de Skurge serviria como alívio cômico. Porém, em um filme já mais leve que o normal e dominado pela comédia, seu arco acaba sendo menos engraçado que o restante da narrativa. Ele serve apenas para ser o único personagem com quem Hela interage enquanto Thor não volta de Sakaar, mas poderia ser um importante antagonista.
Esse é um dos poucos erros cometidos pelos roteiristas e pelo diretor Taika Waititi. A descrição do método de trabalho adotado pelo diretor feita por Hemsworth parece ser o pesadelo de qualquer executivo de Hollywood durante a filmagem de uma continuação, mas a aposta em Waititi (que também interpreta o engraçado Korg) se revela uma das mais acertadas já feitas pelo estúdio. O Thor ingenuamente sério dos filmes anteriores dá lugar a um Thor que claramente já aprendeu bastante com a vida na Terra e já não se considera o centro do Universo. A leveza adquirida pelo personagem facilita que tanto ele quanto o espectador lide mais facilmente com as muitas e pesadas perdas sofridas pelo personagem em Ragnarok.
Esse também é o filme no qual vemos as melhores cenas de ação protagonizadas pelo Deus do Trovão, que, em mais de um momento, justifica essa denominação divina. Entretanto, o impacto de várias cenas do filme acaba sendo diminuído graças ao trabalho do departamento de marketing: os trailers e clipes usados para promover o produto revelam pequenos trechos de praticamente todas as cenas do filme, o que faz com que o espectador mais antenado acabe prevendo uma boa parte do desenvolvimento da ação. Talvez a única sequência de ação não antecipada seja a grandiosa fuga de Sakaar, cuja preparação toma conta de boa parte da projeção (não seria estranho se, ao invés de “Ragnarok”, o subtítulo do filme fosse “Escapada de Sakaar”).
Mas isso não é o suficiente para mudar o fato de que Thor: Ragnarok é um dos melhores filmes do MCU, caindo na categoria daqueles que merecem ser vistos e re-vistos, sem nunca perder a graça. Com o Universo compartilhado prestes a completar 10 anos no cinema, é de se esperar que o estúdio continue arriscando e dando oportunidades para que outros cineastas imprimam suas próprias visões nessa rentável franquia cinematográfica.
Comentários com SPOILERS
Além da ação e do humor, outro aspecto que se destaca em Thor: Ragnarok é como o roteiro transforma completamente o universo do herói, não se preocupando em fazer com que tudo volte ao normal. Enquanto não era de se esperar que a morte de Odin (que havia se exilado na Noruega e disse para os filhos não se esquecerem daquele lugar) fosse revertida até o final do filme, o mesmo não pode ser dito em relação ao destino do Mjölnir. A destruição do mítico martelo de Thor parecia ser o típico mecanismo de roteiro que levaria, no ato final, à grandiosa recuperação do tesouro perdido pelo herói.
Ao invés disso, Thor termina o filme não apenas sem o Mjölnir, mas também sem um olho (!) e sem Asgard (!!!), que ele é obrigado a destruir para impedir os planos da terrivelmente implacável Hela, que é sua irmã. Mesmo depois que ele se torna o novo rei do povo asgardiano (que, destinado à Noruega, parece estar prestes a se tornar parte da crise migratória na Europa), na primeira cena pós-crédito vemos que eles são interceptados pela gigantesca nave de Thanos, o grande vilão dos próximos dois filmes dos Vingadores. Em outras palavras, nos momentos finais, Thor: Ragnarok se torna o grande “O Império Contra-Ataca” do MCU.
O interesse de Thanos pela nave dos refugiados pode ser por dois motivos. O primeiro, é o fato de que ele provavelmente se tornará o par romântico de Hela. Nos quadrinhos, Thanos parte em busca da Manopla e das Joias do Infinito para impressionar seu grande amor, a Morte. Nada mais natural que no cinema esse “posto” seja ocupado pela Deusa da Morte. Enfraquecida pela destruição de Asgard (o filme não deixa claro se ela morreu na grande explosão), Hela pode fazer uso da dedicação de Thanos para realizar seus planos de conquista universal. Mas, por enquanto, isso é apenas especulação.
O outro possível motivo é que Loki pode estar com uma das Joias do Infinito, o Tessaract, Joia do Espaço, que provavelmente recuperou da sala do tesouro de Odin antes da destruição de Asgard. Teoricamente, a Manopla do Infinito estava na mesma sala, mas em uma cena anterior Hela dá a entender que a Manopla ali presente não é a verdeira, derrubando-a com desdém. Kevin Feige já havia dito que há mais de uma Manopla no MCU, mas ainda não sabemos onde a original estava antes de Thanos pegá-la. Será que ele sempre a teve?
A aparição da nave de Thanos também explica a cena inicial do trailer de Vingadores: Guerra Infinita exibido em uma Comic-Con, que mostra Thor sendo encontrado à deriva pelos Guardiões da Galáxia. Entretanto, nesse trailer Thor está com os olhos normais, sem usar o tapa-olho com o qual ele termina Ragnarok. Portanto, ou as cenas não estão conectadas ou o estúdio ainda irá modificar a cena exibida no trailer, que não foi oficialmente lançado para o público. Esse trailer também mostra Loki com o Tesseract, o que reforça a possibilidade mencionada no parágrafo anterior.
A segunda cena pós-crédito é de caráter apenas humorístico, mostrando o Grão-Mestre tentando se entender com rebeldes depois da revolução iniciada por Korg ter sido bem sucedida. Para mais comentários e easter eggs, veja esse vídeo do Omelete.