Crítica: Spy City
Spy City, Alemanha/Reino Unido/República Tcheca, 2020
Minissérie mistura uma trama relativamente realista com típicos clichês da ficção sobre espionagem
★★★☆☆
Existem dois tipos principais de histórias de espionagem: as que abraçam as fantasias de ação iniciadas por James Bond e as que tentam representar de forma realista o trabalho dos espiões. A minissérie Spy City, curiosamente, está em uma terceira categoria, combinando uma abordagem realista com elementos de fantasia típicos da ficção de espionagem. Uma das últimas produções a fazer algo assim foi o filme Operação Red Sparrow (crítica aqui), no qual a abordagem não funcionou muito bem. Em Spy City, pelo menos, o resultado é mais aceitável.
A premissa em si é bem realista. No primeiro semestre de 1961, o agente britânico Fielding Scott (Dominic Cooper) é enviado novamente para Berlim para tentar identificar um traidor que estaria vazando informações para os soviéticos. Porém, o realismo sai pela janela quando começam a aparecer assassinos profissionais utilizando pistolas com silenciadores e outros clichês do gênero. Além disso, muitos dos diálogos e dos acontecimentos não fazem muito sentido em uma história realista, apesar de serem relativamente aceitáveis em fantasias de ação.
Por exemplo, em determinada cena de Spy City há uma tentativa de assassinato em um restaurante, realizada por uma pessoa que se infiltrou dentre os funcionários do local e que utiliza uma pistola com silenciador. Porém, se o assassino já conseguiu se infiltrar, seria muito mais fácil ele envenenar a comida ou a bebida do alvo. Por outro lado, se a ideia é que o assassinato seja público e violento, então não tem porque utilizar um silenciador. Inclusive, o alto barulho dos disparos serviria para assustar os outros clientes e facilitar a fuga do assassino.
O que a minissérie consegue fazer com um bom grau de sucesso é criar uma atmosfera de paranoia e desconfiança, na qual Scott não pode confiar em nenhuma das pessoas com quem ele está lidando. A intricada trama de mentiras e traições é digna da “cidade dos espiões”, que é como Berlim ficou conhecida durante a Guerra Fria. Cada uma das potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial (EUA, União Soviética, Reino Unido e França) controlava uma zona da cidade, tornando o trabalho dos espiões vital para que elas se mantivessem informadas sobre os “vizinhos”.
O contexto específico de Spy City é o período que antecedeu a construção do Muro de Berlim, um desenvolvimento que teria grande impacto sobre as vidas dos cidadãos ao longo das décadas seguintes. O Muro é bem conhecido em muitas histórias de espionagem, sendo importante em filmes como Ponte de Espiões e O Espião Que Veio do Frio. A minissérie acerta ao não se esquecer de abordar as motivações e o impacto social e emocional da criação do Muro, que dividiu famílias e mudou a rotina das pessoas que se locomoviam diariamente entre a zona soviética e as demais zonas da cidade.
Estilosa e curta (são apenas seis episódios), Spy City é indicada para quem estiver interessado em uma história intrigante e razoavelmente inteligente. Apesar de ser menos realista do que a série portuguesa Glória (crítica aqui), a minissérie também não é uma completa fantasia de ação, com grandes explosões ou perseguições. Talvez ela seja uma boa peça de transição para quem só conhece a “espionagem de ação” começar a conhecer melhor a espionagem do mundo real.