Crítica: Sou Sua Mulher
I’m Your Woman, EUA, 2020
Suspense subverte convenções do gênero e conta um drama humano pontuado pela violência urbana
★★★★☆
As surpresas de Sou Sua Mulher começam já na cena inicial e não param ao longo do filme. O que poderia ser um típico suspense no mundo do crime é transformado em um reflexivo drama sobre maternidade e independência. A produção é o veículo perfeito para a diretora Julia Hart mostrar um completo domínio de diferentes tipos de narrativa, seja nos momentos de silêncio, nos de tensão ou mesmo nas poucas e envolventes cenas de ação.
As surpresas na narrativa acompanham as surpresas recebidas pela protagonista Jean (Rachel Brosnahan), fazendo com que o espectador compartilhe de sua desorientação diante de circunstâncias não explicadas. Tudo o que ela sabe é que em uma noite qualquer, quando o seu criminoso marido Eddie (Bill Heck) está “trabalhando”, um colega dele bate em sua porta e lhe informa que ela deve fugir imediatamente na companhia de um completo desconhecido, Cal (Arinzé Kene). Com o filho do casal a tiracolo, Jean precisa então fugir sem saber de quem, por qual motivo e para onde está indo, na companhia de uma pessoa que ela nunca viu na vida e que também não esclarece o que está acontecendo.
Se fosse um filme convencional, esse seria o ponto no qual as cenas de ação começariam, com bandidos armados aparecendo em cada esquina. Mas Sou Sua Mulher está mais interessado na jornada pessoal de Jean e em como ela se esforça para se adaptar à nova realidade. Por mais que Cal consiga uma casa inteiramente mobiliada para alojá-la, ela é uma mãe de primeira viagem que jamais esteve completamente sozinha e que sempre contava com o apoio do marido. Na sua nova vida, ela não apenas é forçada a ser mais independente, mas também mais responsável.
Mas a vida de crime do marido a alcança e as respostas começam a aparecer. Quando a situação se complica tanto para ela quanto para Cal, ele envolve sua esposa Teri (Marsha Stephanie Blake) na situação, que chega com mais algumas respostas. Ainda assim, as revelações vão ocorrendo a conta gotas e é apenas no ato final que Jean consegue entender inteiramente as atividades do marido e os motivos que levaram Cal a ajudá-la tão dedicadamente.
Sou Sua Mulher lembra os filmes Rainhas do Crime (crítica aqui) e As Viúvas (crítica aqui), mas é bem mais sério e sóbrio do que os outros dois. Enquanto Rainhas do Crime simplesmente substitui os homens durões por mulheres duronas, As Viúvas coloca suas personagens no meio de uma grande conspiração envolvendo mafiosos e políticos. Nos dois casos, as mulheres assumem as atividades criminosas dos maridos e mostram que são tão capazes quanto eles, enquanto em Sou Sua Mulher a protagonista está tentando apenas sobreviver e deixar o mundo do crime para trás.
Todo esse drama fica ainda mais envolvente com as impressionantes atuações de Brosnahan, Kene e Blake, que dão credibilidade a seus personagens e fazem com que os dramas pessoais realmente funcionem. O grande destaque vai para Brosnahan, que se entrega ao papel e transmite perfeitamente o desespero de sua personagem, tanto nos momentos nos quais tem que lidar com bandidos armados quanto naqueles nos quais precisa acalmar um bebê que não para de chorar.
A narrativa de Sou Sua Mulher também é beneficiada pelo marcante uso de clássicos dos anos 1970 na trilha sonora, contribuindo para uma sútil estilização da produção. Com todas essas qualidades, o filme só deve desagradar quem esperava uma abordagem mais convencional da típica história de traição e vingança no mundo crime. Aqui, a passiva mulher de um mafioso encontra sua própria identidade quando finalmente é obrigada a sair da sombra dele e a lutar pela própria sobrevivência e pelos próprios sonhos.