Crítica: Reality

Reality, EUA, 2023



Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


A rigor, Reality é uma mistura de documentário com ficção, já que praticamente todos os diálogos presentes no filme são baseados no interrogatório inicial que o FBI teve com Reality Winner (Sydney Sweeney), analista de inteligência presa em 2017 por vazar documentos confidenciais para a imprensa. Essa conversa de aproximadamente uma hora e meia entre a jovem de 25 anos e dois agentes federais é um momento pequeno mas revelador em uma grande trama sobre espionagem, jornalismo, geopolítica e democracia.

reality 1Em primeiro lugar, o filme faz um ótimo trabalho narrativo ao envolver o espectador na “amigável” conversa entre Winner e os agentes Justin Garrick (Josh Hamilton) e Wallace Taylor (Marchánt Davis). A tensão vai lentamente sendo construída até o ponto no qual se torna quase insuportável. Curiosamente, o suspense funciona muito bem independente do espectador já saber ou não qual será o resultado do interrogatório. Para quem não sabe, é imprevisível; para quem já sabe, é angustiante ver as táticas e falsidades que os dois lados utilizam.

Se Winner inicialmente tenta esconder à todo custo o vazamento realizado é porque ela acreditava que não havia como o FBI rastrear quem enviou os documentos secretos para o portal de notícias The Intercept. A analista havia imprimido um relatório secreto da NSA sobre a interferência russa nas eleições americanas de 2016 e enviado uma cópia do material pelo correio. Como aparentemente não havia um rastro digital, ela provavelmente tinha certeza de que jamais seria descoberta.

Porém, ela não contava com o irresponsável tratamento que o The Intercept daria ao documento. O portal não apenas publicou imagens completas do material como também enviou cópias para a NSA para tentar confirmar a história. Isso provavelmente facilitou significativamente a investigação forense, permitindo que os investigares soubessem exatamente de qual documento a informação saiu e em qual impressora ele foi impresso.

Com essas informações e com alguns poucos rastros digitais deixados por Winner, o FBI pôde reduzir significativamente o rol de suspeitos e chegar até ela. Porém, as evidências que eles tinham não eram tão inquestionáveis quanto eles gostariam e não garantiriam uma condenação. Seria muito mais simples se ela simplesmente confessasse, que foi o que aconteceu.

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Talvez os elementos mais interessantes da conversa retratada em Reality sejam as técnicas de interrogatório utilizadas pelo FBI. Os dois agentes chegam vestidos casualmente, dão a entender que estão sendo completamente transparentes e puxam várias conversas casuais sobre animais de estimação e CrossFit, mantendo o clima o mais descontraído possível enquanto gravam cada palavra. Isso leva Winner a cometer o erro de não exigir a presença de um advogado, permitindo que os agentes a pressionem até que ela finalmente admita o vazamento.

O caso de Reality Winner levanta questões que são difíceis de classificar em termos simples. Por um lado, as informações que ela vazou realmente tinham relevância jornalística, lembrando o caso semelhante mostrado em O Relatório e servindo como uma das fontes para o documentário Agentes do Caos. Por outro lado, ela realmente exfiltrou e compartilhou documentos sensíveis, que poderiam revelar não apenas as informações de interesse jornalístico mas também as fontes de inteligência utilizadas pelas autoridades dos EUA.

A abordagem experimental e minimalista de Reality é muito bem-sucedida em transmitir tanto a calma quanto o terror vivido pela protagonista, que vê seu mundo e seu futuro sendo lentamente demolidos ao longo de uma hora e meia de conversa. Boa parte disso se deve à alta qualidade das atuações centrais, especialmente a de Sweeney, que complementa o conteúdo da gravação original para transmitir toda a angustia vivida por Winner na vida real.