Crítica: Rainhas do Crime

The Kitchen, EUA, 2019



Apesar de acertar na estética, filme perde a oportunidade de se tornar um novo clássico do gênero

★★☆☆☆


Há um ótimo filme de gangster sob a superfície de Rainhas do Crime, mas ele jamais emerge para a tela de projeção. Todo o estilo e sofisticação que sobram no figurino, na direção de arte e nas atuações estão ausentes na montagem e no roteiro, que parecem apressados para chegar no ato final da trama. O resultado é um grande amontoado de cenas desprovidas de peso dramático e que precisariam de mais calma e contexto para funcionarem como deveriam.

Ainda assim, é possível perceber que o material tinha o potencial para se tornar um novo clássico do gênero. A trajetória de Kathy Brennan (Melissa McCarthy), Ruby O’Carroll (Tiffany Haddish) e Claire Walsh (Elisabeth Moss) no submundo da máfia irlandesa na Nova York dos anos 1970 possui vários paralelos com a trajetória dos três protagonistas de Os Bons Companheiros, um dos clássicos supremos dos filme sobre a máfia.

Também é possível que as similaridades entre os dois filmes não sejam meras coincidências, já que o clássico de 1990 provavelmente é uma das inspirações para a história em quadrinhos na qual esse novo filme é baseado. Porém, ele não é nenhum derivativo. Se em Os Bons Companheiros há uma representação razoavelmente fiel da atmosfera de masculinidade e tradição do mundo da máfia, em Rainhas do Crime tenta-se imaginar o que três mulheres obstinadas teriam que fazer para se tornarem chefes do crime nesse mesmo ambiente.

As pretensões feministas da história são louváveis, mas também deixam a desejar. Tanto nesse quanto em outros aspectos, a mensagem passada é fácil de entender, mas difícil de sentir. A pressa na narrativa exige que o espectador use a imaginação para complementar as motivações das personagens e o impacto emocional de alguns dos desenvolvimentos da trama. Esses problemas são parcialmente corrigidos no ato final, mas aí já é tarde demais para salvar a produção.

O envolvimento emocional também é dificultado pela natureza amoral (ou mesmo imoral) da história. A revolta das protagonistas contra o patriarcado vem na forma da extorsão e intimidação dos pequenos empreendedores do bairro Hell’s Kitchen, além de esquemas corruptos envolvendo sindicatos e da aplicação de violência para se resolver conflitos de negócio. A mistura de feminismo com pura criminalidade faz com que a trama pareça defender que os fins justificam os meios, ou que as mulheres também têm o direito de serem criminosas sociopatas.

Todos esses problemas são ainda mais decepcionantes quando se leva em conta as ótimas atuações de McCarthy, Haddish e Moss. Se os arcos dramáticos de suas personagens tivessem sido escritos com mais detalhes e sutilezas, a três atrizes teriam dado vida a três das personagens femininas mais icônicas e impiedosas dos últimos anos.

Rainhas do Crime também prometia ser uma opção mais pop e recompensadora ao soturno drama criminal As Viúvas (crítica aqui), no qual as esposas de quatro criminosos mortos durante um assalto são forçadas a terminar o que eles começaram. Porém, apesar de não ser tão divertido, esse outro filme segue sendo a principal referência com a premissa de mulheres assumindo as atividades criminosas de seus maridos.

Com roteiro e edição mais redondos, mesmo o anticlimático final de Rainhas do Crime teria funcionado melhor. Infelizmente, o que mais chama atenção nessa produção é todo o potencial que ela desperdiça. Esse poderia ser um épico policial no nível de Os Infiltrados ou Cassino, mas acaba abaixo de filmes como Os Donos da Noite ou O Mafioso.