Crítica: Pinguim
The Penguin, EUA, 2024
Max · Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★★★★
Dentre muitas outras coisas, a minissérie Pinguim realça tudo o que há de errado com os filmes Coringa e Coringa: Delírio a Dois, que também fazem releituras de um vilão do super-herói Batman. Aqui, a essência do personagem-título não é abandonada para transformá-lo em um anti-herói ou em uma figura injustiçada. O protagonista Oz/Oswald Cobb/Pinguim (Colin Farrell) pode ser carismático, mas também é um vilão que parece estar além de qualquer redenção.
Não é que a série ignore a humanidade de seu protagonista, mas ela também não tenta justificar ou suavizar a gravidade de seus crimes. Depois que Gotham City é abalada pelos acontecimentos do filme Batman, Oz está tentando aproveitar as oportunidades que surgem no caos. Porém, um encontro acidental e um ato impulsivo o obrigam a ir até o fim em sua busca por poder e respeito. Seu azar e seu erro acabam se transformando na maior oportunidade de sua vida.
Não é que Oz seja o personagem mais forte e inteligente de Pinguim, mas ele é o mais ardiloso, inescrupuloso, traiçoeiro e resiliente da trama. As coisas dão completamente errado para ele em mais de uma situação, mas ele vai mentindo, improvisando e se adaptando com uma facilidade tão impressionante quanto preocupante. Seus instintos de autopreservação acabam se revelando como a força mais maligna da história.
A narrativa de Pinguim claramente se inspira em produções sobre a máfia, como a série The Sopranos e o filme Scarface.
A jornada do personagem lembra também a jornada do protagonista de Ajuste Final, filme que mostra o braço direito de um chefe do crime navegando por uma complexa rede de interesses e rivalidades. O espectador desavisado pode achar que ele é um mestre da manipulação que sempre está no controle da situação, quando na realidade ele é apenas um péssimo e impulsivo apostador. Sua sorte serve apenas para livrá-lo das consequências das apostas que ele perde, o que permite que ele viva para apostar novamente.
A vilania de Oz não é mostrada como uma crueldade vazia e caricata, mas sim como uma escuridão causada por traumas e carências, além de um narcisismo destrutivo que o acompanha desde a infância. O único relacionamento que ele não parece estar disposto a trair é o que ele tem com sua mãe, Francis Cobb (Deirdre O’Connell). Porém, esse relacionamento, que parece ser a última coisa sagrada em sua vida, também parece estar na raiz dos comportamentos tóxicos de Oz.
Enquanto personagens como Francis Cobb, Eve Karlo (Carmen Ejogo) e Victor Aguillar (Rhenzy Feliz) possuem seus momentos de destaque, o outro grande arco dramático de Pinguim é vivido por Sofia Falcone (Cristin Milioti). Essa sim é uma personagem injustiçada e digna de sua vingança, com seu sofrimento se tornando o combustível necessário para levá-la até o topo do poder na família Falcone.
Porém, antes de sua incrível transformação se completar, Sofia começa a questionar o que ela está se tornando. Para conseguir sua vingança e chegar no topo do poder no submundo de Gotham, ela precisaria se tornar tão cruel e inescrupulosa quanto seu pai, Carmine (Mark Strong), ou quanto o próprio Oz. Mas do que adianta superar esses vilões apenas para fazer exatamente o que eles fariam? Do que adianta chegar ao topo mas perder a própria identidade?
Oz, por outro lado, não faz questionamentos como esse. Enquanto Sofia busca o poder como uma forma de exercer justiça e retribuição pelos crimes cometidos contra ela e contra outras mulheres, para Oz o poder em si é o objetivo. Se ele chegar ao trono, tudo o que ele fez terá valido a pena. Ele poderá então usufruir da ilusão de que todos o respeitam e de que ele merece ser amado e admirado. A única realidade que importa para ele é a realidade que ele cria, mesmo que ela não corresponda ao mundo real.
Dessa forma, Pinguim também expõe as fragilidades de seu protagonista. Seu narcisismo é desenvolvido como um mecanismo de defesa, permitindo que ele sufoque suas inseguranças e não precise lidar com o sentimento de culpa por suas ações. O único peso que ele carrega é o das promessas que ele fez para sua mãe.
Sua personalidade acaba se tornando um buraco negro, com uma escuridão que consome tudo ao seu redor e jamais parece estar satisfeita. Parte dele sabe disso, e ele chega a demonstrar alguma frustração quando sobrevive a mais um ataque. Sua pulsão de autopreservação sofre, em alguns momentos, uma inversão para uma pulsão de morte. É como se, nos momentos em que acha que não vai conseguir exatamente o que quer, ele passa a não querer mais nada, e a inexistência se torna uma saída aceitável de suas frustrações e responsabilidades.
Com roteiros bem amarrados, uma história profunda e atuações impressionantes de Colin Farrell, Cristin Milioti, Deirdre O’Connell e Rhenzy Feliz, a minissérie Pinguim parece estar muito acima do patamar das histórias sobre um bilionário que combate o crime fantasiado de morcego. Ainda assim, a série deixa uma grande pergunta no final: como o Batman irá derrotar um vilão tão poderoso e formidável quanto essa versão do “Pinguim”?
Surpreendentemente, o personagem parece estar no mesmo nível que o Coringa de Heath Ledger em Batman: O Cavaleiro das Trevas. Porém, isso será confirmado quando o personagem voltar em Batman: Parte II.