Crítica: Pecadores
Sinners, EUA, 2025
Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★★★★
Enquanto o recente Nosferatu inovou muito mais na forma do que no conteúdo para costurar uma trama sobre vampiros, Pecadores inova em todos os aspectos possíveis. Mesmo se passando ao longo de meras 24h, o filme pode ser considerado um épico que atravessa o tempo e o espaço para contar uma história sobre música, sexo, cultura, opressão e resiliência. Aqui, os vampiros representam apenas mais um problema com o qual a comunidade afro-americana precisa lidar. Se eles não aparecessem, outros problemas já estavam esperando.
Muito antes da chegada dos vampiros, o diretor Ryan Coogler garante que o espectador fique imerso na Mississippi de 1932, na qual o filme é ambientado. Durante praticamente metade do tempo de projeção, nós acompanhamos os gêmeos Smoke e Stack Moore (Michael B. Jordan) enquanto eles passam o sábado percorrendo a zona rural da região. Com a ajuda do primo Sammie (Miles Caton), eles vão coletando as pessoas que vão participar da inauguração de uma casa de música e dança ainda naquela noite.
Essa longa introdução já poderia ser a atração principal de Pecadores. A Mississippi mostrada aqui ainda é a Mississippi da lei seca, das leis de segregação racial e da Grande Depressão. Nela, a população afro-americana trabalha principalmente nas plantações de algodão. Parte do pagamento dos trabalhadores é feito com moedas locais emitidas pelos fazendeiros ou pelas pequenas cidades, já que um dos aspectos daquela crise econômica foi a escassez do papel moeda.
O principal entretenimento que parte da população possui são as chamadas juke joints da região do Delta do Mississippi, que são pequenas boates naquela vasta zona rural. A região é considerada o local de nascimento da música blues, com seu exemplar mais antigo sendo o delta blues. Esse estilo daria origem tanto ao R&B quanto ao Chicago blues, e eventualmente resultaria no rock’n’roll.
É por isso que Coogler utiliza uma cena central de Pecadores para traçar a relação entre os pioneiros do blues tocando nas juke joints das zonas rurais do Sul Profundo e o passado e o futuro de inúmeras culturas musicais. É uma viagem musical que passa pelos tambores ancestrais da África, pelas guitarras distorcidas dos “deuses do rock” e pelas pick-ups dos DJs que dariam origem à cultura Hip Hop nas “quebradas” de Nova York.
E Coogler faz isso sem ter que diminuir a importância de nenhuma outra cultura, reservando espaço para manifestações culturais asiáticas, indígenas e europeias ao longo dessa jornada de música e terror. No lore do filme, a música tem o poder de invocar espíritos do passado e do futuro, de qualquer parte do mundo. É em busca desse poder que o vampiro irlandês Remmick (Jack O’Connell) chega na juke joint dos gêmeos Smoke e Stack.
Até esse ponto, Pecadores poderia ser uma mistura de faroeste com filme de máfia, nos moldes de exemplares como Os Infratores ou Assassinos da Lua das Flores. Porém, Coogler prefere ir em uma rota sobrenatural que aproxima o filme de novos clássicos como Um Drink no Inferno e 30 Dias de Noite, além de lembrar em muitos aspectos a ótima minissérie Lovecraft Country.
Depois de abordar inúmeros temas com ousadia e originalidade, a trama quase cai na previsibilidade quando os vampiros ficam em evidência e os personagens começam a falar em estacas de madeira, essências de alho e armas de prata. Porém, além de resultar em ótimas cenas de ação, os vampiros dão a Coogler a oportunidade de ir mais fundo em temas como lealdade e religiosidade. Em determinado ponto, Remmick oferece aos personagens um tipo de salvação que nenhuma outra religião ou instituição jamais puderam oferecer àquela comunidade.
Diante de tudo isso, Pecadores pode ser considerado um filme de blues, um filme de vampiros e uma celebração da cultura afro-americana nos Estados Unidos da América. Com atuações hipnotizantes de Michael B. Jordan, Wunmi Mosaku, Delroy Lindo e Hailee Steinfeld, a produção oferece uma experiência tão intensa quanto reflexiva sobre o passado e o futuro de uma população marcada por um dos piores crimes já cometidos contra a humanidade.
Ao fim, a trama também é uma celebração da liberdade, ainda que ela só possa ser desfrutada durante breves momentos, até os racistas e os escravizadores atacarem novamente.