Crítica: O Urso – 3ª Temporada

The Bear – Season 3, EUA, 2024



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★★★★☆


O ímpeto narrativo das duas primeiras não está presente na terceira temporada de O Urso. Dessa vez, a trama abraça completamente seu lado mais introspectivo e contemplativo, o que fez com que parte do público torcesse o nariz para a nova leva de episódios. A nova abordagem realmente é bem diferente, nas funciona de forma altamente satisfatória dentro do que se propõe a fazer.

o urso 3 temporada

O resultado fica muito próximo de séries animadas de comédia dramática como Bojack Horseman, Undone e Carol e o Fim do Mundo. Talvez isso não seja uma coincidência, já que a showrunner de O Urso, Joanna Calo, também esteve envolvida com as produções de Bojack Horseman e Undone. Em todas essas séries, o espectador acompanha diversos personagens lidando com os próprios traumas, arrependimentos e inseguranças tanto em momentos de comédia quanto em momentos mais melodramáticos.

A terceira temporada de O Urso leva isso a outro patamar ao apresentar um primeiro episódio que é basicamente uma montagem de diversos momentos da vida de Carmy (Jeremy Allen White). O episódio representa as coisas que estão passando pela mente do personagem durante um momento de crise. Passado e presente se misturam enquanto ele reflete sobre todos os lugares onde esteve, todas as pessoas que conheceu e tudo o que ele passou até chegar naquele ponto de sua vida.

Como o passado não lhe oferece uma resposta, Carmy tenta compensar pelos erros que cometeu no final da temporada anterior por meio da obsessão com o trabalho. Sua dissonância cognitiva se revela quando ele tenta utilizar a busca por eficiência e excelência como justificativa para o negligenciamento da sua vida pessoal. O raciocínio seria: se ele conseguir construir o restaurante perfeito, com a cozinha perfeita, com os pratos perfeitos, então tudo o que ele perdeu em termos de vida familiar e vida amorosa terá valido a pena.

Isso cria um ambiente altamente estressante para o restante da equipe. Ao invés de criar as condições necessárias para que as pessoas trabalhem de forma eficiente e alcancem a excelência, ele começa a fazer exigências arbitrárias, cria desafios que não precisavam existir e, de forma ilógica, espera que todos ao seu redor aceitem essas demandas e se encaixem em seu novíssimo padrão de qualidade.

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O que Carmy não enxerga até o episódio final é que ele está muito próximo de emular o comportamento do chef mais tóxico e abusivo que ele já conheceu. Nesse ponto, as inseguranças que Sidney (Ayo Edebiri) havia apresentado na segunda temporada já estão significativamente ampliadas, levando-a a realmente considerar uma carreira fora do The Bear.

Não é que Carmy esteja apresentando exatamente o mesmo comportamento abusivo do chef que o deixou psicologicamente traumatizado, mas sim que ele não dá espaço para as pessoas ao seu redor contribuírem com as próprias ideias e as próprias abordagens na condução do restaurante. Sidney e Richie (Ebon Moss-Bachrach) deveriam ser seus parceiros, mas não é essa a dinâmica que ele aplica no dia a dia.

Na teoria, os itens na sua lista de “não-negociáveis” até fazem sentido; o grande problema está no fato de que eles são “não-negociáveis”, sendo impostos no restante da equipe de forma repentina, sem diálogo e sem apresentar detalhadamente suas motivações. Nesse sentido, Carmy acaba sendo um exemplo negativo de liderança. Para completar, esses itens também aumentam os custos operacionais e aumentam a pressão vinda do principal investidor.

Em outra frente narrativa, a temporada utiliza a gravidez de Sugar (Abby Elliott) para mais uma vez ressaltar o efeito que o narcisismo e o alcoolismo da matriarca Donna (Jamie Lee Curtis) tiveram sobre os três filhos. Como em muitos casos reais, a principal preocupação de Sugar é não permitir que o ciclo de trauma atinja sua filha, protegendo-a dos medos e inseguranças que marcam as vidas adultas dela e dos seus irmãos Carmy e Michael (Jon Bernthal).

A adrenalina e o frenesi das temporadas anteriores dá lugar a uma abordagem mais reflexiva na terceira temporada de O Urso. Ao invés de focar no caos da cozinha, a trama passa a focar na bagunça e nas consequências das relações humanas e das necessidades emocionais que as pessoas projetam umas nas outras. Essa mudança pode diminuir o valor da série como mero entretenimento, mas é melhor do que permitir que a adrenalina e o frenesi se tornem previsíveis e repetitivos ao longo do tempo.