Crítica: O Urso – 2ª Temporada
The Bear – Season 2, EUA, 2023
Star+ · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★★
Não olhe para o relógio; faça o que ele faz: siga em frente. (Sam Levenson)
Os primeiros episódios da segunda temporada de O Urso deixam a impressão de que essa será uma jornada bem mais tranquila do que a primeira. Mesmo com um apertado prazo para a abertura do novo restaurante, a série encontra tempo para explorar de forma mais completa os arcos dramáticos de vários personagens secundários. Porém, um marcante sexto episódio dá uma nova injeção de stress e ansiedade na trama, transmitindo de forma visceral as origens dos traumas emocionais que marcam a família do protagonista.
À primeira vista, a segunda temporada de O Urso coloca os personagens em conflito com o tempo. Os relógios sempre pairam ameaçadores sobre eles, dando a entender que o tempo está se esgotando para que eles atinjam seus objetivos. Mais que isso, as mudanças que ocorrem em seus mundos os tiram de suas zonas de conforto e provocam medos e inseguranças em todos eles.
Porém, é justamente por estarem em situações pouco familiares que vários deles conseguem evoluir e aprendem a lidar com a implacável marcha do tempo. As novas situações permitem que eles vivam novas experiências e tenham novos olhares tanto sobre o trabalho que realizam quanto sobre a vida que estão vivendo. As lições que eles aprendem podem ajudar não apenas os personagens, mas também o espectador que esteja disposto a refletir sobre esses temas.
E isso não é por acidente. Em alguns momentos, a série abandona a tensão e a intensidade apenas para mostrar dois personagens conversando de forma calma e sincera sobre suas experiências de vida. Sem utilizar grandes mecanismos narrativos, esses momentos deixam a impressão de que estamos vendo apenas duas pessoas reais tendo uma conversa real, sem pressa e sem a obrigação de “entreter” o espectador.
É assim que a frase “cada segundo conta” tem seu significado esclarecido ao longo do sétimo episódio da temporada. Inicialmente, a placa com essa frase, pendurada na cozinha de um grande restaurante, parece ser apenas um lembrete de que os funcionários não devem desperdiçar tempo ao longo do trabalho. Mais tarde, fica claro que ela também é um lembrete de que o tempo continua passando, de que nunca é tarde demais para recomeçar ou para ter esperança em um futuro melhor.
Dessa forma, “cada segundo conta” (ou “cada segundo importa”) também acaba sendo um lembrete de que não faz sentido desistir. Assim como o tempo nunca para, não faz sentido ficarmos parados no tempo.
Esse foco na evolução pessoal dos personagens faz com que O Urso se torne uma espécie de antítese de Succession, outra série sobre pessoas que precisam lidar com traumas e limitações emocionais causados por uma família disfuncional. A grande diferença é que ao longo das quatro temporadas de Succession nós acompanhamos os irmãos no centro da trama eternamente presos em um ciclo de abusos e obsessões que os deixam cegos para muitos outros aspectos de suas vidas.
Em O Urso, por outro lado, vários dos personagens possuem autoconsciência o suficiente para reverem seus comportamentos e se tornarem pessoas melhores. O grande exemplo disso nessa temporada é o arco dramático de Richie (Ebon Moss-Bachrach), que começa com ele se sentindo inútil na nova realidade do restaurante e descontando suas frustrações nas pessoas ao seu redor.
Entretanto, ao fim do sétimo episódio ele finalmente enxerga um propósito no trabalho que realiza e encontra uma certa satisfação, ou mesmo uma certa felicidade. O propósito em si sempre esteve presente, ele só não era capaz de enxergá-lo. Agora, ao invés de focar no fato de que sua vida não está na situação que ele gostaria, ele foca naquilo que sua vida ainda pode ser. E onde antes havia frustração, há agora possibilidade.
Assim como Richie, personagens como Marcus (Lionel Boyce) e Tina (Liza Colón-Zayas) passam a enxergar novos significados nos trabalhos que realizam. Não se trata apenas de uma questão de preparar e servir comida, mas também de tocar as vidas das pessoas ao viabilizar momentos especiais e experiências inesquecíveis, o que também provê um pouco de felicidade e significado nas vidas dos clientes. Indo além, o trabalho deles colabora para que o mundo seja um lugar um pouco melhor.
Diante de tantas evoluções pessoais, são justamente os protagonistas de O Urso que têm a maior dificuldade para deixar o passado para trás. Enquanto Sydney (Ayo Edebiri) passa toda a temporada tendo que lidar com um medo quase paralisante diante das incertezas causadas pelo novo empreendimento, Carmy (Jeremy Allen White) enxerga como “ameaça” uma real possibilidade de felicidade. Os dois personagens ainda não conseguem enxergar uma forma de conciliar a excelência na vida profissional com a felicidade na vida pessoal.
No caso de Carmy, é o relacionamento amoroso com Claire (Molly Gordon) que o tira de sua zona de conforto e o deixa sem saber como reagir. Ele até tenta evitar uma aproximação ao dar um número de telefone incorreto quando reencontra a ex-colega de escola, mas logo fica claro que ela não vai desistir tão fácil. Não é que ele não se sinta da mesma forma em relação a ela, mas sim que ele não sabe como encaixar esse relacionamento em sua vida.
Além disso, ele também não sabe lidar com o otimismo causado por esses sentimentos positivos. Ele conhece e tem experiência com a instabilidade de sua família e com a pressão de seu trabalho. Ele sabe como lidar com uma mãe carente que não sabe como demonstrar amor por seus filhos e com chefes extremamente abusivos no mundo da alta gastronomia. Ele sabe o que fazer quando as coisas dão completamente errado, mas não quando elas dão certo.
É o sexto episódio da segunda temporada de O Urso que exemplifica e deixa clara qual é a origem desses medos profundamente enraizados. O episódio é um flashback que mostra a tensa noite de um jantar de Natal da família Berzatto, no qual tanto as tensões entre Michael (Jon Bernthal) e o tio Lee (Bob Odenkirk) quanto a instabilidade emocional da matriarca Donna (Jamie Lee Curtis) vão crescendo de forma insuportável até atingir um explosivo ponto de ebulição.
Esse é o episódio mais longo e mais desconfortavelmente intenso da série, chegando a lembrar dramas de família como Krisha e Thunder Road.
Depois dele, fica mais fácil entender o porquê de Carmy ser tão dedicado ao trabalho, que é algo que ele pode controlar e cujo resultado depende apenas dele e de sua equipe. É no trabalho que ele encontra consistência e estabilidade, já que provavelmente ele nunca pôde contar com nada disso em sua vida pessoal. Em sua visão, o trabalho não depende de afetos, mas sim de disciplina, habilidade e esforço.
E é por isso que, quando ele não consegue participar inteiramente da noite de lançamento do novo restaurante, seu primeiro instinto é culpar o relacionamento amoroso por seu “fracasso”. Veja que o “fracasso” aqui não está no resultado do lançamento (que é um sucesso), mas sim no fato de que ele não está no controle da situação. Isso imediatamente desencadeia todos seus traumas e inseguranças, fazendo-o buscar o “conforto” do pessimismo e da solidão.
Claramente, os personagens de O Urso ainda possuem bastante espaço para crescer em uma possível terceira temporada. Na frente profissional, uma vez que o lançamento do novo restaurante deu certo, o próximo desafio será mantê-lo aberto e financeiramente sustentável. Na frente pessoal, Sidney e Carmy ainda parecem ter um longo caminho para percorrer até se tornarem capazes de ser emocionalmente vulneráveis.