Crítica: O Problema dos 3 Corpos
3 Body Problem, EUA, 2024
Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★☆☆
É bem provável que O Problema dos 3 Corpos seria uma das melhores séries do ano se não perdesse seu motor narrativo na segunda metade dessa primeira temporada. Por volta do quinto episódio (de um total de oito), praticamente todos os mistérios são solucionados, restando à trama explorar dramas pessoais que não deveriam ser o foco da produção. Ainda assim, essa é uma fantástica história focada em avanços científicos e no futuro da humanidade.
Assim como o filme Interestelar, a trama se baseia em conceitos científicos para criar uma história de escopo civilizacional e explorar cenários com os quais a humanidade possivelmente terá que lidar. Porém, assim como o filme, a série também peca ao, a partir de determinado ponto, deixar esses conceitos de lado e focar em dramas humanos.
Essas questões já foram melhor exploradas em séries como Sandman e Carol e o Fim do Mundo, onde reflexões sobre a condição humana são a atração principal. Talvez seria mais interessante que O Problema dos 3 Corpos focasse no desenvolvimento do lado geopolítico de sua história, que acaba sendo simplificado para permitir uma melhor fluidez dos desenvolvimentos científicos e dramáticos.
Além disso, a invasão alienígena no centro da trama só irá se concretizar dentro de 400 anos, o que não permite a criação de um verdadeiro senso de emergência na narrativa. Até lá, a humanidade e os invasores entram em um clima de Guerra Fria, com os dois lados focados em coletar inteligência militar e em desenvolver armas e táticas militares mais avançadas. Seria interessante se as futuras temporadas focassem nessa mistura de ficção científica e espionagem, como foi feito na série Counterpart.
Enquanto os primeiros episódios têm um clima de Arquivo X e Fronteiras, os episódios finais da primeira temporada de O Problema dos 3 Corpos deixam a trama mais próxima do filme Oppenheimer, que mostra o esforço real de cientistas para desenvolver a primeira bomba atômica durante a Segunda Guerra Mundial. O desafio para a próxima temporada será manter essa trama interessante ou depender de grandes saltos temporais para mostrar o embate com os invasores.
Essa última possibilidade parece mais interessante. Dado o tamanho do nosso Universo e as possibilidades exploradas na série documental Cosmos, faz mais sentido que uma história sobre uma invasão alienígena se passe ao longo de várias gerações, e não em alguns poucos dias ou algumas poucas semanas, como em muitas outras histórias de ficção científica. Isso traz a implicação de que não deveríamos acompanhar um grupo fixo de personagens, mas sim os diferentes “combatentes” nessa batalha ao longo dos séculos.
Porém, personagens como Jin Cheng (Jess Hong), Thomas Wade (Liam Cunningham), Saul Durand (Jovan Adepo), Auggie Salazar (Eiza González) e Da Shi (Benedict Wong) possuem a possibilidade de chegarem a um futuro distante por meio de técnicas de congelamento. Will Downing (Alex Sharp), cuja subtrama é a mais deslocada e previsível da temporada, já está em um caminho que o permitirá reaparecer em algum ponto do futuro.
Em um cenário mais realista, o futuro da humanidade não poderia ficar dependente dessas poucas pessoas nascidas no final do Século 20. O esforço deveria ser muito mais no sentido de garantir que as gerações futuras tivessem tanto as informações quanto as motivações necessárias para evitar a invasão alienígena. Ou seja, nós finalmente teríamos que pensar como espécie, enxergando não apenas as trajetórias individuais de nossas vidas, mas também a trajetória das nossas civilizações ao longo dos milênios.
É por ter uma visão limitada e traumática da História que Ye Wenjie (Zine Tseng/Rosalind Chao) convida os invasores. Apesar de parecer exagerada, a cena inicial da série mostra uma representação realista da violência chocante presente nas sessões de humilhação pública promovidas pela Guarda Vermelha da China durante a Revolução Cultural. O escritor chinês Liu Cixin, autor do romance no qual a série se baseia, também teve sua vida marcada pela violência de extrema-esquerda nesse período da História chinesa.
A violência da Guarda Vermelha, que se assemelha a perseguição promovida pelo Khamer Rouge (que foi representada no filme Os Gritos do Silêncio), acabaria se tornando um passivo político para o Partido Comunista Chinês, levando o grupo a ser violentamente reprimido pelo Exército de Libertação Popular em 1968.
Na física, o problema dos três corpos diz respeito à impossibilidade de se ter uma representação matemática precisa do movimento de três partículas a partir de suas posições iniciais. Enquanto as interações entre dois corpos já estão cobertas pelas leis da física, as interações entre três corpos são consideradas demasiadamente caóticas para serem corretamente previstas. É possível modelá-las por meio de técnicas computacionais de análise numérica, mas são necessárias vastas quantidades de poder computacional para se ter modelagens relativamente precisas em um horizonte temporal aceitável.
Algo semelhante pode ser dito sobre o futuro da humanidade. A quantidade de variáveis envolvidas em nossa existência é tão grande que é impossível prever de forma realmente precisa qualquer horizonte temporal, seja de um século, um ano ou um mês. Condições sociais, político-econômicas, biológicas, psicológicas, climáticas, geológicas e até cosmológicas afetam tanto nossas jornadas individuais quanto a jornada da humanidade ao longo do tempo.
Na “guerra fria” de O Problema dos 3 Corpos, os alienígenas chegam a utilizar técnicas de guerra psicológica para desestabilizar a humanidade e facilitar nossa eventual extinção. Isso se aproxima de uma das revelações feitas no suspense pós-apocalíptico O Mundo Depois de Nós, quando um dos protagonistas revela que a forma mais economicamente eficiente de se ocupar um país é instaurando um nível de caos que divida os cidadãos em facções e impossibilite uma defesa unificada da nação.
Dessa forma, qualquer defesa planejada pela humanidade em O Problema dos 3 Corpos precisa tentar garantir um certo nível de disciplina e inteligência emocional ao longo de quatro séculos. Tanto esse quanto outros aspectos da trama abrem possibilidades para desenvolvimentos muito mais grandiosos do que apenas um pequeno grupo de personagens tentando salvar o mundo. Resta ver se os criadores da série saberão explorar essas possibilidade de formas tão épicas quanto inspiradoras.