Crítica: O Legado de Júpiter – Volume 1
Jupiter’s Legacy, EUA, 2021
Série se destaca não pela ação ou pelos super-heróis, mas sim pelo drama familiar e pelo suspense psicológico
★★★☆☆
As roupas e as caracterizações de O Legado de Júpiter estão longe do nível de refinamento ao qual os fãs de super-heróis estão acostumados na TV e no cinema. Porém, a série não tem a pretensão de ser mais um dos mega-espetáculos de ação e efeitos especiais como os lançados nos últimos anos. Aqui, os realizadores estão interessados em contar duas histórias sobre moralidade e relações familiares, ecoando muito mais com dilemas da vida real do que com o mundo da fantasia.
As duas histórias se passam em duas linhas do tempo. A partir de 1929, vemos o caminho percorrido por Sheldon Sampson (Josh Duhamel) e um pequeno grupo de familiares, amigos e conhecidos até obterem superpoderes e montarem uma equipe de super-heróis. Nos dias atuais, Sheldon, agora conhecido como The Utopian, tem dificuldades para convencer uma nova geração de super-heróis a seguir seu estrito código de conduta, cuja regra principal é não matar os vilões durante as batalhas, comprometendo-se em prendê-los e em respeitar o devido processo legal.
O grande desafio é convencer jovens impulsivos e superpoderosos a agir de forma ética e comedida diante de vilões que muitas vezes estão tentando matá-los. A trama dá a entender que os vilões atuais são muito mais poderosos e violentos do que os do passado, frequentemente colocando os jovens defensores da lei em situações de vida ou morte. Mesmo parte da velha guarda já não acredita no código estabelecido por Sheldon, deixando-o praticamente isolado nessa questão.
O protagonista justifica o código de conduta como uma forma de colocar limites na atuação dos super-heróis, exigindo que eles mantenham o respeito ao estado de direito. Sob seu ponto de vista, sem esses limites as pessoas superpoderosas poderiam facilmente se considerar não apenas no direito de matar cidadãos mas também de governá-los de forma ditatorial. Além de ecoar com os problemas de violência policial no mundo real, esse ponto de vista também dialoga com os temas tratados em séries como Watchmen (2019) (resenha aqui) e Falcão e o Soldado Invernal (resenha aqui), sobre os quais já comentei na crítica de Invencível.
Porém, Sheldon vive uma contradição. Ele cobra esses mesmos ideais de justiça e grandeza de seus filhos superpoderosos depois de ter ficado ausente durante boa parte da infância e da juventude deles. As obrigações como defensores do país e do planeta fizeram com que Sheldon e sua (também heroína) esposa Grace/Lady Liberty (Leslie Bibb) não dessem a devida atenção a Chloe (Elena Kampouris) e Brandon (Andrew Horton). Enquanto ela, famosa por ser filha de super-heróis, se rebela e ganha dinheiro para gastar em festas e drogas, ele tenta seguir nos passos do pai, mas tem dificuldades em se manter fiel ao código.
O próprio código defendido pelo protagonista de O Legado de Júpiter é parcialmente resultante de uma complexa relação parental. Um dos motivos pelos quais Sheldon o defende ardorosamente é para compensar os erros cometidos pelo seu pai, o que lhe causou um grande choque durante a Crise de 1929. Seu irmão Walter/Brainwave (Ben Daniels) compreende sua obsessão, mas possui seus próprios problemas parentais, pois considera que Sheldon sempre foi o favorito dentre os dois.
Tudo isso faz com que um dos aspectos mais interessantes de O Legado de Júpiter seja o drama familiar multigeracional apresentado na trama. Porém, o que realmente pode manter o espectador “grudado” na tela e ansioso pelo episódio seguinte é a aventura com tons de thriller psicológico vivida por Sheldon e companhia nos anos 1930, sem superpoderes mas com personagens intrigantes e atuações envolventes. O roteiro de O Legado de Júpiter não é perfeito, pecando principalmente por algumas falas muito expositivas, mas é bom o suficiente para manter o interesse do espectador e para justificar uma segunda temporada.