Crítica: O Fio Invisível

Distancia de rescate, Chile/Peru/Espanha/EUA, 2021



Filme tem a forma perfeita, mas é uma grande decepção em termos de conteúdo

★★☆☆☆


A narrativa de O Fio Invisível é feita no formato de um intrigante e misterioso delírio febril. Uma estranha conversa entre a protagonista Amanda (María Valverde) e o jovem Davi (Emilio Vodanovich), filho de Carlota (Dolores Fonzi), serve como narrativa em off, com o garoto tentando guiá-la por suas desorganizadas memórias. Ao espectador, resta tentar montar o quebra-cabeça e entender o que exatamente está acontecendo. Porém, quando o filme coloca todas as cartas na mesa, fica claro que não havia muita coisa para ser entendida no fim das contas.

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Mesmo antes do ato final, o delírio febril de O Fio Invisível já fica cansativo. É tudo muito bonito, poético e até sensual, mas da metade em diante também era necessário o mínimo de foco temático. A história que está sendo contada não está à altura dos visuais e da envolvente e inquietante atmosfera estabelecida pela diretora Claudia Llosa. Quando os acontecimentos finalmente são explicados, a história tem seu impacto significativamente reduzido, se mostrando muito mais ordinária e anticlimática do que se podia esperar.

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Além dos elementos sobrenaturais, a trama traça comentários sobre saúde mental, desejo, maternidade e ecologia. Porém, nenhum desses temas é tratado com profundidade o suficiente para ser considerado o centro gravitacional da história. Eles são abordados de forma tão sutil que quase desaparecem sob a superfície de sonhos e sensações apresentada pelo filme. Mesmo as ideias sobre o amor e a paranoia da maternidade, que, teoricamente, estão no centro da trama, ficam periféricas diante de todos os outros elementos apresentados. Talvez essa difusão temática funcione adequadamente no romance no qual o filme é baseado, mas não em um longa metragem de uma hora e meia de duração.

Essa história se beneficiaria de ser contada de uma forma mais direta, a exemplo de filmes como A Nuvem (crítica aqui) e Céu Vermelho-Sangue (crítica aqui), que também lidam com temas relacionados à maternidade. Uma abordagem convencional não seria tão envolvente, mas pelo menos seria mais sincera e não deixaria o público criar expectativas altas demais sobre o desfecho. Ela também seria bem-sucedida em explicitar os problemas ecológicos que fazem parte da história, deixando claro quais são os “vermes” mencionados nas cenas iniciais (veja os Comentários com SPOILERS abaixo).

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O exercício narrativo de O Fio Invisível é muito envolvente, mas precisava de uma história tão envolvente quanto ele. Da forma que foi costurada, a trama pode deixar muitos espectadores com a impressão de que ela não tem nada a dizer. Isso não é verdade, mas as mensagens principais poderiam ter sido transmitidas com uma voz bem mais alta e clara.

Comentários com SPOILERS

Outra abordagem possível para a história de O Fio Invisível seria em um claro formato de drama sobre contaminação ambiental. Os “vermes” aos quais os personagens se referem são os agrotóxicos (ou “defensivos agrícolas”) que fazem parte do pano de fundo rural da trama. Além de vitimarem o cavalo e o pequeno Davi na história contada por Carlota, os produtos também são os causadores dos delírios febris sofridos por Amanda. Sua filha Nina (Guillermina Sorribes Liotta) também é contaminada, levando Carlota a recorrer às mesmas medidas desesperadas às quais recorreu quando isso aconteceu com Davi.

Os sinais da presença de agrotóxicos estão espalhados pelo filme, como no momento em que Carlota diz que a água das torneiras não é boa ou quando Nina grita “Mamãe, olhe! O avião!”, claramente apontando para um avião pulverizador de pesticidas. Já no ato final, Amanda vê um grupo de crianças deformadas na rua e Davi a informa que são poucas as crianças que nascem sem deformações naquela região, o que é outro sinal de contaminação por agrotóxicos (notícias aqui e aqui), que também podem causar puberdade precoce.

Na frente sobrenatural, o procedimento realizado na “casa verde” de O Fio Invisível é uma clara referência à lenda das crianças trocadas do folclore europeu. O mito surgiu justamente para tentar explicar de forma “mágica” o nascimento de crianças deformadas ou com deficiências cognitivas. No filme, tanto Davi quanto Nina passam pelo procedimento fictício, que deixa a criança com a personalidade bem diferente da que os pais conheciam.