Crítica: O Bastardo

Bastarden, Dinamarca/Alemanha/Suécia, 2023



Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


Há elementos terrivelmente cruéis e terrivelmente humanos na trama de O Bastardo. O filme é uma ficção histórica que dramatiza a vida do dinamarquês Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen), capitão do exército e veterano de guerra que ficaria famoso por, na segunda metade do Século 18, viabilizar o cultivo agrícola na então inóspita península da Jutlândia. A narrativa é traçada na forma de um épico de faroeste, lembrando produções como Black ’47 e Relatos do Mundo, além de também ter toques de Sangue Negro e até mesmo Morangos Silvestres.

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Pode-se dizer que há três grandes conflitos na trama de O Bastardo.

O primeiro deles é entre Ludvig Kahlen e a terra da Jutlândia. Nesse aspecto, o filme realça a fragilidade da humanidade diante da nossa dependência do cultivo agrícola para estabelecer nossos assentamentos e nossas civilizações. Parte do governo central da Dinamarca já havia desistido de cultivar a península, mas Kahlen enxerga nela uma oportunidade de ascendência social em um rígido sistema de classes.

Filho ilegítimo de um conde, Kahlen desenvolve uma obsessão em também se tornar membro da nobreza. É isso o que lhe é prometido se ele conseguir tornar a Jutlândia produtiva e é esse o motivo de sua obstinação. Foi esse mesmo tipo de obstinação que levou milhões de europeus a buscarem oportunidades de riqueza no Novo Mundo e a viverem “aventuras” que dariam origem ao gênero do faroeste, resultando em histórias como as das minisséries 1883 e A Inglesa.

Assim como a protagonista do recente A Viúva Clicquot, Kahlen também depende dos resultados de sua colheita para provar seu valor para o mundo. Porém, sua história fica mais violenta devido ao segundo grande conflito presente em O Bastardo, que coloca Kahlen contra Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg), um magistrado e grande latifundiário que fará todo o possível para manter o status quo e evitar a chegada de novos colonos.

De Schinkel é um vilão tão caricato que poderia até ficar deslocado diante da seriedade e do tom de realismo do filme. Porém, sua crueldade, sua mediocridade e sua mesquinhez vão tão longe que nos lembram de como o poder e a riqueza podem realmente transformar pessoas de fraca composição moral em verdadeiros monstros. Uma vez que as únicas “qualidades” que ele possui são seu título e sua riqueza, ele vai até as últimas consequências para manter sua posição, mesmo que isso signifique atrasar o desenvolvimento de sua própria região.

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Tanto Kahlen quanto De Schinkel são homens essencialmente inseguros. A diferença é que, enquanto De Schinkel é o tipo de homem que está disposto a destruir aquilo o que ele não pode ter, Kahlen canaliza sua insegurança em um empreendimento que pode lhe garantir o valor social que ele sempre quis. Essa obsessão está no centro do terceiro grande conflito de O Bastardo, que ocorre entre Kahlen e seus próprios sentimentos.

Durante sua resistência contra as investidas de De Schinkel, Kahlen acaba formando uma improvável família ao lado de Ann Barbara (Amanda Collin) e da pequena Anmai Mus (Melina Hagberg). Porém, as circunstâncias o obrigam a escolher entre seu grande objetivo e os relacionamentos que ele formou ao longo do caminho. É aí que o lado mais Morangos Silvestres entra na trama, com um homem rabugento e orgulhoso refletindo sobre as “riquezas” que ele foi incapaz de enxergar ao seu redor.

Talvez a narrativa de O Bastardo ficaria ainda mais épica e satisfatória se tivesse adotado o ponto de vista de Ann Barbara, que passa por um marcante arco dramático ao longo da trama. Porém, essa é a história de Ludvig Kahlen e das batalhas que ele decide ou não lutar; dos relacionamentos que ele decide ou não manter; e dos objetivos que ele insiste ou não em alcançar. Assim como muitos outros faroestes, o filme aborda a vida, as dificuldades e os conflitos em uma fronteira da civilização, mostrando como homens e mulheres são postos à prova diante de uma impiedosa existência.

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