Crítica: Norman – Confie em Mim
Norman: The Moderate Rise and Tragic Fall of a New York Fixer, EUA/Israel, 2016
Drama se destaca graças a sólida atuação de Richard Gere
★★★★☆
Em Norman: Confie em Mim, Richard Gere interpreta Norman Oppenheimer, um “operador” nova-iorquino que atua na comunidade judia da cidade. O termo “operador” tem um sentido bem amplo na língua portuguesa, mas um dos significados de fixer, um de seus equivalentes em inglês, é o que se aplica nesse caso: “uma pessoa que usa influência ou prepara negócios para outra, especialmente por meios impróprios ou ilegais.” Porém, o que se destaca nesse filme não é o seu lado moral ou mesmo o singelo thriller político que se desenrola em sua segunda metade, mas sim o mistério que é seu protagonista. De onde ele vem? Quais são suas motivações? Onde ele espera chegar?
É por isso que, apesar de misturar alguns gêneros, a narrativa funciona melhor como estudo de personagem. Os lados cômico e político estão presentes, mas de forma elegante e contida. A caracterização e a atuação de Gere, incluindo o sotaque de judeu de Nova York, são hipnotizantes, e não será estranho se o ator for lembrando durante a temporada de premiações. Por ser uma narrativa orientada a diálogos e personagens, pode ser que muita gente ache o filme muito “parado”, mas quem estiver interessado em um divertido thriller político à moda antiga não vai se decepcionar. Em muitos aspectos, Norman: Confie em Mim lembra um Woody Allen, ainda que sem todos os excessos das comédias características daquele diretor. O grande elenco, que inclui Hank Azaria, Michael Sheen, Dan Stevens, Charlotte Gainsbourg e Steve Buscemi, é outro fator que justifica a comparação.
É possível traçar um paralelo entre a personalidade de Oppenheimer e a de outros personagens “obcecados” do cinema, como os que citei na minha crítica de Armas na Mesa. Porém, enquanto nesses outros filmes os protagonistas são obcecados por resultados concretos e fáceis de medir (“encontrar Osama Bin Laden” no caso de A Hora Mais Escura e simplesmente “vencer” no caso do próprio Armas na Mesa), Oppenheimer parece ser um “cachorro perseguindo o próprio rabo”, fazendo promessas e contando mentiras sem pensar nas consequências. Sua obsessão em ajudar as pessoas a conseguir o que elas querem, mesmo que elas não estejam querendo nada específico no momento, é mais parecida com o “vício” em adrenalina do protagonista de Guerra ao Terror, que diz para si mesmo que faz o faz pelo seu país quando, na realidade, apenas curte o perigo e a emoção de desarmar bombas em áreas de conflito.
No início do filme, o espectador fica com a impressão de que Oppenheimer esquematiza os contatos de negócios para tirar uma comissão do resultado, mas logo fica claro que não é bem isso. Quando Eshel (Lior Ashkenazi), um vice-ministro israelense em visita a Nova York, não retorna suas ligações, quebra uma promessa e o leva a um momento humilhante, tudo o que é necessário para Oppenheimer ficar satisfeito são algumas palavras de gratidão. Já alcoolizado, o político lhe pede desculpas e diz que nunca vai se esquecer do que o operador fez por ele, o que parece dar a Norman toda a satisfação da qual precisa. Vale lembrar que o que ele fez pelo político não foi apenas comprar um caríssimo par de sapatos, mas também convencer-lhe de que ele os merecia e de que ainda tinha um brilhante futuro pela frente.
Anos depois, Eshel se torna primeiro-ministro de Israel e, agora em visita a Washington, D.C., deixa claro que sua gratidão ainda é válida. Porém, ao invés de aproveitar os contatos conseguidos por meio do primeiro-ministro para alçar voos mais altos, Oppenheimer acaba se colocando em uma inoportuna conversa com Alex Green (Charlotte Gainsbourg), uma funcionária do governo de Israel, levando-a a perguntar: “Nos últimos 5 minutos, você se ofereceu para me apresentar a três pessoas diferentes. Por quê?” Tão curiosa quanto o espectador, Green faz mais perguntas sobre a vida pessoal desse peculiar cidadão que ela acaba de conhecer, o que apenas o deixa sem palavras e disposto a mudar de assunto. Se antes não estava claro, é nesse momento que fica óbvio que Oppenheimer tem uma necessidade quase patológica de se sentir útil, independente do que isso possa lhe custar.
Em uma longa entrevista ao Haaretz, o diretor e roteirista de Norman: Confie em Mim, Joseph Cedar, deu sua leitura do personagem, que é baseado em pessoas que ele realmente conhece:
Norman está sozinho, e não há nada mais terrível que a solidão. Cada aflição na vida se torna mais fácil e mais tolerável se você passa por ela com uma outra pessoa. Mas uma pessoa solitária está em um poço profundo, e sua única forma de se conectar é oferecendo algo às pessoas. Sua única forma de se conectar é mentindo, e as pessoas sabem disso.
E, inevitavelmente, os custos chegam. Quando a relação entre Oppenheimer e o primeiro-ministro levanta suspeitas de corrupção, o filme expõe a incompatibilidade entre o bem intencionado presente dado pelo protagonista e as restrições éticas de uma pessoa que está em um cargo público. Para muita gente, é apenas natural (ou cultural, como explica o brasileiro conceito do homem cordial) fazer um agrado a um funcionário público que pode lhe ajudar a resolver algum problema, o que não muda o fato de que isso é antiético. Esse conflito está na raiz de investigações de corrupção tanto em Israel quanto no Brasil da Operação Lava Jato, o que vem causando a prisão de políticos e operadores “apenas” por adotarem as mesmas práticas que já estavam em voga há décadas. Na entrevista citada acima, quando questionado sobre a coincidência entre as investigações em Israel e o lançamento do filme, o próprio diretor diz:
O timing é muito interessante, mas não há nada de novo aqui. Todo mundo que está familiarizado com os políticos israelenses e os judeus americanos sabe que é assim que funciona e que sempre funcionou.
Da mesma forma que o cerco vem se fechando contra essas normalizadas práticas corruptas, a corda vai sendo apertada ao redor do pescoço de Oppenheimer. No final, tudo o que lhe resta é fazer é o que ele faz de melhor (e ele nem é tão bom assim) e então deixar a vida seguir o seu rumo. Os detalhes sobre quem realmente é Norman Oppenheimer acabam sendo irrelevantes.