Crítica: Mulher-Maravilha
Wonder Woman, EUA, 2017
Aventura finalmente adiciona algum significado ao universo cinematográfico da DC
★★★★☆
Com muito mais profundidade e inteligência que os capítulos anteriores do Universo Estendido da DC (DCEU, da sigla em inglês), Mulher-Maravilha consegue ser simultaneamente uma aventura à moda antiga e um moderno filme de super-heróis. A mitologia grega que está nas raízes da personagem dá um ar épico e poético a uma narrativa que rapidamente leva sua protagonista a confrontar os horrores e o insensível pragmatismo de um dos maiores conflitos armados do Século XX. O filme lida não apenas com o heroísmo de sua protagonista, mas principalmente com o profundo e doloroso processo de amadurecimento pelo qual ela passa quando se aventura para além dos limites da idílica ilha na qual passou a maior parte de sua vida. O resultado é o primeiro filme do DCEU que realmente possui humanidade e coração.
Durante a I Guerra Mundial, quando o avião do piloto americano Steve Trevor (Chris Pine) cai nas águas ao redor da oculta ilha de Temiscira, o destino previsto para Diana (Gal Gadot), a Princesa das Amazonas, começa a se concretizar. Ela salva o soldado do afogamento apenas para presenciar o mortal combate entre as forças que o perseguiam e as poderosas Amazonas lideradas pela general Antiope (Robin Wright). O piloto se revela um espião a serviço dos britânicos e fala sobre a terrível guerra que assola parte do mundo exterior. Diana interpreta isso como influência de Ares, o Deus da Guerra que as Amazonas estão destinadas a derrotar, e parte com Trevor rumo às zonas de conflito, desobedecendo Hypolyta (Connie Nielsen), sua mãe e Rainha das Amazonas.
Enquanto o Superman e o Batman de Zack Snyder tentam extrair dramaticidade de tomadas em câmera lenta que são tão belas quanto desprovidas de significado, a Mulher-Maravilha de Gal Gadot e da diretora Patty Jenkins passa por um verdadeiro processo de amadurecimento ao longo da narrativa. A Princesa Diana se torna a Mulher-Maravilha na medida em que vai se decepcionando e tendo seu coração partido repetidas vezes no mundo que encontra fora de Temiscira. A interpretação de Gadot é boa o suficiente para convencer o espectador da pureza de sua inocência e da dor de sua decepção. Sempre que ela acha que já viu o pior da humanidade, algo ainda pior a surpreende. Quando percebe que a crueldade do ser humano não é inteiramente fruto da influência de Ares, ela se encontra no limite de seu heroísmo.
Diana tem que lidar com homens medíocres que buscam glória e grandeza na violência e na destruição; homens que não se importam com as consequências de seus atos sobre as vidas de pessoas inocentes; homens que se consideram mais importantes e superiores às pessoas que desejam apenas viver suas vidas. Porém, ao contrário deles, ela não deixa sua frustração e decepção se transformarem em rancor e niilismo, e luta até o fim em prol de uma humanidade que nem sempre mostra que merece ser salva. Diana consegue ver o que há de honra e grandeza mesmo no desesperado grupo de mercenários que a acompanha atrás das linhas inimigas.
Esse grupo de mercenários serve não apenas como uma das principais fontes de humor do filme, mas também como um dos primeiros contatos de Diana com pessoas reais e imperfeitas, que levam suas vidas bem longe dos altos padrões de comportamento das Amazonas. A química entre o grupo funciona perfeitamente e dá ao filme uma leveza ausente nas outras entradas do DCEU. A outra fonte de humor é a própria Diana, uma inocente estranha na Europa da I Guerra, com direito a hilárias piadas de cunho feminista, que ocorrem quase naturalmente e funcionam ainda melhor do que se poderia esperar.
Isso não que dizer que o filme não tenha seus defeitos, a começar pela fotografia, que segue o padrão de “escuridão” do DCEU. Além disso, o roteiro abusa da boa vontade do espectador quando coloca Diana para dizer que “só o amor pode salvar a humanidade” em um momento no qual ela já deveria saber que a realidade é bem mais complicada. A batalha final poderia ser mais curta e enxuta, tanto na escrita quanto no pesado uso de efeitos especiais, que dão um ar demasiado artificial a ação. Outro ponto que o DCEU precisa abandonar é a mania de tentar mostrar a dramaticidade das batalhas finais de seus filmes por meio de gritos tão desesperados quanto constrangedores de seu protagonistas. #StopGritosDramáticos
Já os vilões acabam caindo em clichês que não necessariamente prejudicam a trama, mas que certamente poderiam ser evitados. Nesse aspecto, o que mais decepciona é o limitado uso da Dra. Maru (Elena Anaya), que, apesar de ser vital em um do determinado ponto da ação, é essencialmente desperdiçada pelo roteiro. Resta a esperança de sua volta em uma eventual continuação.
Ainda assim, com Mulher-Maravilha, além de alcançar o nível de qualidade do Universo Marvel nos cinemas, o DCEU vai um pouco além ao compor uma heroína com profundidade e delicadeza que não abre mão do humor e da adrenalina em uma memorável aventura cinematográfica. Como primeiro filme solo de uma heroína na atual onda de filmes baseados em quadrinhos, Mulher-Maravilha mostra que há um futuro promissor para o poder feminino nos blockbusters de super-heróis.