Crítica: Missão Impossível – Acerto de Contas – Parte 1
Mission: Impossible – Dead Reckoning – Part 1, EUA, 2023
Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Se com Top Gun: Maverick Tom Cruise provou de uma vez por todas que ele é o maior especialista em blockbusters da atualidade, em Missão: Impossível – Acerto de Contas – Parte 1 ele mostra que ainda está em perfeita forma. Desde que a franquia Missão: Impossível teve um significativo aumento de qualidade em Missão Impossível: Protocolo Fantasma e Missão Impossível: Nação Secreta, os filmes da série seguem apenas mantendo (ou, a depender da opinião, aumentando) o ótimo nível de suspense e adrenalina nas histórias do agente secreto Ethan Hunt (Cruise).
Acerto de Contas dá continuidade ao que foi feito em Missão Impossível: Efeito Fallout, tratando Hunt como um personagem lendário e fazendo vários acenos ao passado da franquia. Por exemplo, enquanto a Viúva Branca (Vanessa Kirby) continua exibindo cada vez mais os trejeitos de sua mãe Max (Vanessa Redgrave), a trama traz de volta Eugene Kittridge (Henry Czerny) para mais uma vez antagonizar Hunt em suas missões.
Tanto Max quanto Kittridge são personagens marcantes que apareceram apenas no primeiro filme, de 1996. Agora, a presença dos filhos de Max (o outro é Zola, interpretado por Frederick Schmidt) e a volta de Kittridge ajudam a estabelecer o clima de nostalgia e a aumentar a impressão de que os filmes estão todos conectados. Ainda assim, esses elementos (ainda) não representam a criação de um típico “universo compartilhado”, servindo mais como um presente para os fãs mais saudosistas.
Mas Acerto de Contas não se ancora na nostalgia e introduz alguns elementos até arriscados na franquia. Se em Nação Secreta e em Efeito Fallout Hunt teve que enfrentar a inteligência e as maquinações do implacável Solomon Lane (Sean Harris), agora o roteiro insere uma inteligência artificial (IA), chamada apenas de “A Entidade”, para desafiar o personagem. A novidade só funciona porque também somos introduzidos ao vilão Gabriel (Esai Morales), que serve como emissário humano da Entidade e está intimamente ligado ao passado de Hunt.
Essa ousada mudança coloca o filme no caminho da ficção científica, chegando a lembrar a terceira temporada da série Westworld, que introduz uma IA que controla as trajetórias de vida de cada ser humano. Mas a trama se mantém relativamente realista, pois também lembra o documentário Zero Days, que mostra o caso real de um vírus de uso militar que vazou para a Internet e causou muita preocupação para analistas de segurança do mundo inteiro.
Além disso, a Entidade não é o tipo de IA que ameaça destruir a raça humana ou remover completamente o livre arbítrio das pessoas. O que ela é capaz de fazer é manipular o destino da humanidade ao controlar as percepções que as pessoas têm no mundo digital, alterando e criando narrativas conforme acha conveniente. Isso nos lembra das ameaças reais causadas por fake news, deepfakes, golpes na Internet e outros tipos de desinformação.
É por isso que muitos governos do mundo estão mais interessados em controlar do que em destruir a Entidade, com sua existência dando início a uma nova corrida armamentista.
Diante disso, fica claro que Acerto de Contas mexe com muitas das paranoias e preocupações (IA, desinformação, guerras, etc.) com as quais estamos lidando no mundo real. Como se tudo isso não bastasse, a trama tem em seu centro um submarino naufragado nas profundezas do oceano, enquanto o atual ciclo de notícias do mundo real ainda está cobrindo o acidente com o submersível Titan, da OceanGate Expeditions.
O subtítulo original do filme, Dead Reckoning, pode ser traduzido como navegação estimada, que era o principal método que navios e aviões utilizavam para estimar suas posições antes da existência da tecnologia GPS. A navegação estimada ainda é utilizada por submarinos em águas profundas, onde os sinais de GPS não conseguem chegar. Além disso, a palavra reckoning no subtítulo tem duplo sentido, pois também significa “acerto de contas”, o que é uma referência ao retorno de Gabriel na vida de Ethan Hunt.
Todo esse clima de paranoia e retribuição colabora para que a trama atinja níveis estratosféricos de suspense. As cenas de ação não apenas continuam de tirar o fôlego, mas também incluem doses extras de comédia e tensão, a ponto de deixar o espectador sem saber se está rindo do humor ou de puro nervosismo. Algumas dessas cenas poderiam ser bem simples e fáceis de esquecer, mas Cruise e o diretor Christopher McQuarrie injetam tanto drama e humor nesses momentos que o espectador é completamente capturado pela ação.
Outro ponto forte de Acerto de Contas é a introdução de novos personagens. Além do vilão Gabriel, também conhecemos a ladra Grace (Hayley Atwell) e a caçadora de recompensas Paris (Pom Klementieff), personagens que mudam um pouco a dinâmica da fórmula seguida pela franquia.
Combinadas com certas escolhas feitas pela trama e com as introduções de personagens como Denlinger (Cary Elwes), Jasper Briggs (Shea Whigham) e Degas (Greg Tarzan Davis), há fortes sinais de que Cruise quer dar continuidade à franquia sem a presença de Hunt. Apesar de não ser nada definitivo e depender do comprometimento dos atores, esses novos personagens deixam várias portas abertas para que o universo de Missão: Impossível siga em frente com Cruise atuando apenas como produtor, papel que ele já exerce com mais proeminência desde Protocolo Fantasma.
Apesar de ser apenas a primeira parte daquela que parece ser a última missão de Ethan Hunt, Missão Impossível – Acerto de Contas – Parte 1 deixa a impressão de ser um filme completo, tendo seu próprio desfecho. Ainda assim, a trama deixa o espectador curioso não apenas pela conclusão do conflito entre Hunt e a Entidade, mas também pela evolução de vários dos personagens introduzidos, prometendo mudar o futuro da franquia.