Crítica: Mickey 17

Mickey 17, EUA/Coreia do Sul, 2025



Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★☆☆


Com uma trama muito mais interessante do que estimulante ou engraçada, Mickey 17 explora múltiplas temáticas em múltiplas camadas. Infelizmente, essas temáticas já foram exploradas com mais profundidade em várias outras produções, causando um nível de familiaridade que prejudica algumas das surpresas. Além disso, a trama gasta um tempo considerável apenas apresentando esse mundo e explicando a situação do protagonista, o que foi feito de forma muito mais rápida e eficiente nos próprios trailers do filme.

mickey 17

O principal arco dramático de Mickey 17 cobre a jornada da 17ª versão de Mickey Barnes (Robert Pattinson) em busca de sua própria individualidade. Desesperado para sair do planeta Terra, ele se voluntaria para ser um “Descartável” em uma missão de colonização interplanetária. Isso significa que toda vez que Mickey morre, uma nova versão dele é “impressa”, recebendo o mais recente backup de suas memórias.

Isso faz dele o “funcionário perfeito”, podendo ser enviado para realizar tarefas altamente arriscadas (ou mesmo suicidas) sem maiores preocupações para os patrões. Já o lado ético dessa prática é tão “espinhoso” que o uso da tecnologia só está sendo permitido fora do planeta, e de forma experimental. Possivelmente, Mickey Barnes é a única pessoa passando por essa situação.

Essa temática sócio-econômica é típica da filmografia do diretor Bong Joon Ho, com exemplares como Expresso do Amanhã e o aclamado Parasita lidando com situações de exploração do trabalho e desigualdade social. A trama de Mickey 17 também ecoa o trabalho do diretor em Okja, filme cuja temática principal aborda a questão da crueldade contra animais.

Além desse aspecto sócio-econômico, a trama também pode ser considerada um interessante estudo de personagem. Mesmo antes de se tornar um Descartável, Mickey já tinha problemas relativos a sua individualidade, dando sinais de ser o oposto de um narcisista, um ecoísta. Esse é o tipo de pessoa que está sempre priorizando as necessidades alheias, em detrimento de seus próprios interesses e das suas próprias necessidades.

Ele está sempre tentando agradar, sempre sendo educado, sempre sendo passivo e sempre sendo vítima de seu narcisista “amigo” Timo (Steven Yeun) e de quem mais estiver disposto a se aproveitar dele. A maior sorte que ele teve na vida foi conhecer e se apaixonar por Nasha (Naomi Ackie) durante a missão de colonização, já que ela faz o possível para defendê-lo e para diminuir seu sofrimento.

Mas sua trajetória só é realmente alterada quando o Mickey 17 passa a interagir com o Mickey 18, uma versão que saiu bem mais agressiva e impiedosa do que as versões anteriores. O contraste entre os dois leva o Mickey 17 a perceber que ele pode ser um agente de mudança e pode influenciar os acontecimentos ao seu redor, ao invés de ser um mero espectador ou uma mera ferramenta para os planos dos outros.

Como sátira política, Mickey 17 acaba sendo eclipsado por produções como o filme Tropas Estelares e a série Avenue 5, tramas que vão muito mais fundo e são muito mais incisivas em suas abordagens. O filme também tem vários elementos similares à série Raised By Wolves, que está mais interessada em temas religiosos em sua saga de colonização interplanetária. Mesmo a tecnologia de “reimpressão” de pessoas tem um precursor na ficção científica tcheca Restore Point.

Em Mickey 17, a sátira consegue ser altamente eficaz enquanto também é uma fonte de distração em relação aos temas tratados. O grande líder da expedição colonizadora é Kenneth Marshall (Mark Ruffalo), um personagem claramente inspirado no político Donald Trump. Não se trata apenas de sua personalidade, mas também da voz e da cadência de sua fala. Isso deixa a impressão de que Ruffalo está o tempo inteiro fazendo uma imitação barata de Trump, digna de esquetes de humor.

Pelo menos, a composição de Kenneth e de sua esposa Ylfa (Toni Collette) é fiel ao que o roteiro está tentando representar. Os dois personagens representam pessoas medíocres e de intelecto limitado que precisam se considerar superiores (inclusive, racialmente) para lidar com os próprios medos e inseguranças. São típicos narcisistas malignos, estando indiferentes ao sofrimento alheio e banalizando a crueldade e a violência.

Eles estão sempre obcecados com a imagem que estão projetando. Para eles, não há diferença entre “ser” e “parecer ser”. Por exemplo, se eles querem ser vistos como pessoas inteligentes, eles não tentam se tornar mais inteligentes, mas sim projetar uma imagem de inteligência. Porém, o máximo que eles conseguem é projetar a imagem do que eles acham que é ser inteligente. É sempre um jogo de espelhos onde há muitas projeções e pouco conteúdo.

É claro que esse jogo de espelhos é suficiente para enganar muitas outras pessoas que também estão mais focadas na imagem do que no conteúdo, o que as leva a se tornarem fãs e fiéis seguidoras das “ideias” de Marshall. A questão é que, assim como Donald Trump, ele fala as coisas que muitas pessoas querem escutar e nas quais elas querem acreditar, como as promessas de sucesso e de grandiosidade.

Para quem não conhece as produções mencionadas anteriormente, Mickey 17 pode realmente ser uma jornada divertida e surpreendente. Porém, para os demais, o filme pode acabar parecendo uma repetição de produções anteriores, inclusive em sua sátira de Donald Trump. O humor negro até funciona relativamente bem, mas não o suficiente para elevar os pontos mais fracos da produção. O resultado não é necessariamente ruim, mas apenas mediano.