Crítica: Mare of Easttown
Mare of Easttown, EUA, 2021
HBO Max · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Há um curioso desequilíbrio no roteiro da minissérie Mare of Easttown. Por um lado, os elementos de mistério contidos na história não passam do mediano, recorrendo a mecanismos às vezes exagerados e às vezes perfeitamente previsíveis para manter o engajamento da audiência. Por outro, há um autêntico e marcante drama humano e familiar, que jamais cai no puro melodrama e que é impiedoso de uma forma mais comumente vista na vida real. Felizmente, a irregular direção de Craig Zobel jamais fica no caminho da espetacular atuação de Kate Winslet, que eleva o material para níveis estratosféricos.
A premissa já foi utilizada em inúmeros outros filmes e séries: a traumatizada detetive Mare Sheehan (Winslet) precisa lidar com um desafiador caso de assassinato enquanto tenta manter (ou recuperar) o controle da própria vida, o que é dificultado por sua personalidade difícil e pela pressão colocada sobre ela. A novidade aqui é que a ambientação na pequena cidade de Easttown é realmente utilizada na trama, misturando a investigação com os vários dramas de pessoas comuns que também estão tentando manter a cabeça acima da água. E dado que Mare é parente ou, no mínimo, conhecida de todos os habitantes da cidade, é ainda mais difícil para a investigadora analisar a situação de forma impessoal e objetiva. Nessas condições, um outro clichê fica mais do que óbvio: o grande culpado está mais próximo do que se imagina, e com certeza faz parte de seu círculo social.
Entretanto, a previsibilidade da trama policial jamais estraga a autenticidade da trama familiar. Isso faz com que Mare of Easttown esteja no mesmo nível de séries como True Detective, Inacreditável e The Fall, ainda que os elementos de mistério estejam mais próximos dos filmes da Trilogia de Baztán. Os grandes momentos da minissérie, com exceção de algumas cenas de alta tensão, a aproximam de dramas melancólicos e intimistas como Thunder Road e A Vida de Diane, filmes que tratam de pessoas normais tentando lidar com a dureza da vida real.
O clima geral da produção dificilmente sai do melancólico e depressivo, fazendo alguns poucos desvios pelo território da comédia e do romance. Assim como em True Detective, a narrativa consegue manter uma atmosfera opressiva e pessimista, como se estivéssemos sempre no lado escuro da humanidade. Porém, enquanto a escuridão de True Detective é poética e filosófica, a de Mare of Easttown é cotidiana e ordinária. Não se trata aqui do que há de pior na humanidade, mas sim do que há de pior na banalidade da vida normal.
Os grandes inimigos de Mare e dos demais habitantes de Easttown não são os assassinos e sequestradores, mas as escolhas que eles próprios fizeram ao longo de suas vidas. O que os assombra são as consequências das decisões equivocadas que tomaram e das armadilhas do destino nas quais eles caíram ou nas quais eles nasceram. São vidas partidas e enclausuradas em situações das quais não há uma verdadeira escapatória, sendo então consumidas pela culpa, pelo rancor e pelo arrependimento. E então, alguns deles vão piorando a situação quando tentam se livrar das consequências e das responsabilidades.
É possível dizer que Mare of Easttown não precisava do mistério policial para ser uma produção de altíssima qualidade. O trabalho cotidiano de Mare em apoio a sua comunidade já seria o suficiente para resultar em uma grande série ou em um grande filme, sem envolver nenhum grande caso de assassinato. A história da minissérie não é sobre uma detetive resolvendo um caso de assassinato, mas sim sobre uma mãe finalmente conseguindo lidar com vários traumas de seu passado.