Crítica: Má Educação

Bad Education, EUA, 2019



Má educação explora os mecanismos psicológicos e sociais por trás de práticas generalizadas de corrupção

★★★★☆


A história real contada no drama (com tons de humor negro) da HBO Má Educação funciona como uma espécie de “guia básico da mente corrupta”. Não se trata apenas da sociopatia no centro da trama, mas também dos mecanismos psicológicos e sociais que fizeram com que uma comunidade fosse envolvida em um surpreendente caso de corrupção. Após mostrar a respeitabilidade e o sucesso alcançados por Frank Tassone (Hugh Jackman) e Pam Gluckin (Alisson Janney), a narrativa vai lentamente revelando o que há por trás deles e desconstruindo o mito do inquestionável líder comunitário.

Mais especificamente, o filme revela como os praticantes de corrupção justificam seus crimes para si próprios e para as pessoas mais próximas, enquanto traem a confiança que foi colocada sobre eles. Afinal de contas, eles se consideram apenas boas pessoas que tinham o direito a certas regalias dado o quanto se dedicavam às instituições que representam. E Tassone e Gluckin se dedicam e trazem resultados fantásticos para a comunidade de Roslyn, a ponto de seus salários realmente estarem aquém das conquistas trazidas por eles.

É por isso que eles se veem no direito de colocar certas despesas pessoais na conta da instituição onde trabalham, uma superintendência educacional responsável pelas escolas públicas locais. O que provavelmente começou como pequenos gastos no cartão corporativo (como lanches e refeições) foi crescendo até se tornar uma fraude sistemática que subtraiu milhões de dólares dos cofres públicos ao longo de vários anos.

Como não havia ninguém para reclamar dos pequenos valores iniciais, eles continuaram com os gastos indevidos até o ponto no qual passaram a acreditar que não estavam fazendo nada de errado, pois se consideravam dignos daqueles retornos financeiros. Em outras palavras, eles criaram para si próprios uma realidade na qual os desvios monetários eram moralmente justificáveis, e o que começou como pequenas práticas antiéticas se transformou em um mega esquema criminoso. Era uma ilusão tão poderosa que eles provavelmente tinham a impressão de que jamais seriam pegos.

Mas o esquema ficou tão grande que depois de um tempo se tornou impossível de esconder, e as irregularidades começaram a ser detectadas dos mais diferente ângulos. E aí começam as desesperadas tentativas de acobertamento. Chantagem, ameaças e traições entram no cardápio e começam a ser servidas para o círculo mais próximo. As pessoas são cooptadas a abafarem o caso sob os mais diferentes pretextos, desde o bem-estar da comunidade até o envolvimento indireto dos acusadores.

Nesse ponto, a realidade existente na cabeça dos malfeitores começa a desmoronar, e é aí que os sociopatas se separam dos amadores. De repente, as pessoas ordinárias envolvidas no esquema estão algemadas e enfrentando a possibilidade de passar alguns anos na cadeia. Eles percebem que a visão que possuem de si próprios está completamente fora de sintonia com a visão que o mundo exterior tem deles. É um desesperador choque de realidade.

Má Educação também é um filme sobre jornalismo. A investigação conduzida pela aluna Rachel Bhargava (Geraldine Viswanathan) é uma ótima exibição de trabalho jornalístico independente, e a mostra indo até o fundo do esquema montado pelos criminosos. A importância de sua publicação para a resolução do caso provavelmente foi aumentada nessa dramatização, mas, ainda assim, ela serve como inspiração e exemplo de padrões jornalísticos.

O ótimo roteiro foi escrito por Mike Makowsky, que era aluno de Roslyn na época do escândalo, e foi baseado no artigo da revista New York intitulado The Bad Superintendent. A firme direção de Cory Finley é vital para manter o espectador interessado nos desenvolvimentos, mas são as estelares performances de Hugh Jackman e Allison Janney que nos mantém grudados na tela enquanto a realidade vai se impondo sobre seus personagens. Janney está tão impressionante quanto esteve em Eu, Tonya (crítica aqui), enquanto Jackman apresenta uma das melhores performances de sua carreira. Por esses e outros motivos, Má Educação é um dos melhores filmes do ano e tem presença quase garantida na próxima temporada de premiações.

A produção está no mesmo nível que outros grandes filmes sobre corrupção, como Syriana: A Indústria do Petróleo, Conduta de Risco e A Negociação, e apresenta paralelos com grandes escândalos de corrupção na política brasileira, como o Mensalão, as propinas recebidas pelos diretores da Petrobrás (reveladas pela Operação Lava Jato) e os esquemas de “rachadinha” da família Bolsonaro, que ainda estão em investigação. Histórias como as de Má Educação servem como aviso e como estudo de um dos maiores problemas que prejudicam as democracias e os sistemas econômicos do nosso mundo.