Crítica: Logan
Logan, EUA, 2017
Despedida do personagem de Logan vai muito além do gênero dos filmes de super-heróis
★★★★☆
Em 1992, depois de uma longa carreira estrelando em filmes de ação e alguns dos faroestes mais icônicos do cinema, Clint Eastwood dirigiu e estrelou o clássico Os Imperdoáveis. A história e os personagens daquele filme desconstroem os mitos do Velho Oeste e suas figuras nobres e heroicas. Ao invés de pistoleiros super-rápidos e com miras de precisão sobre-humana, vemos bandidos e homens da lei tão reais e frágeis quanto qualquer outro ser humano, podendo ser derrubados tanto por tiros quanto pelo alcoolismo ou doenças de fácil tratamento. Ainda que não chegue ao nível desse clássico, Logan faz o mesmo pelo gênero dos filmes de super-herói.
Quando encontramos Logan/Wolverine (Hugh Jackman) e o Professor Charles Xavier (Patrick Stewart) em um esconderijo no México, eles são os últimos X-Men, se é que podemos chamá-los assim. A derrocada da lendária equipe de mutantes foi provocada não por algum poderoso vilão ou pela perseguição dos humanos, mas sim pelas coisas da vida. Uma grande tragédia do passado provocou a morte da maioria dos membros da equipe, deixando os dois últimos para lidar com a culpa e com as consequências.
Em 2029, além de serem apenas sombras dos heróis que haviam sido um dia, eles também são alguns dos últimos mutantes, que, em determinado momento, simplesmente pararam de nascer. Com seu fator de regeneração já significativamente reduzido e abusando do consumo de álcool, Logan trabalha como chofer para comprar medicamentos para Xavier e para juntar algum dinheiro. Seu objetivo é juntar o suficiente para comprar um barco e ir morar em alto mar com o Professor, que, possuindo a mente mais poderosa do planeta, se tornou um perigo para todos ao seu redor ao desenvolver um doença degenerativa.
Quando o caminho deles se cruza com o da pequena Laura (Dafne Keen), o filme se torna um road movie que poderia evoluir para uma animada aventura repleta de ação, mas não é isso o que acontece. A ação e o humor estão lá, mas o clima da narrativa é menos o de uma aventura e mais o de um melancólico e pesado drama.
O Wolverine violento e selvagem que os fãs sempre quiseram ver nas telas do cinema finalmente aparece (e muito bem acompanhado da impiedosa Laura, um dos destaques da produção), mas é difícil se divertir com as cenas ultra-violentas (cabeças e membros voam desde a cena de abertura) quando há um peso muito mais significativo e profundo por trás delas. Carregando profundas cicatrizes físicas e psicológicas e possuindo apenas uma fração da força que possuíam em seus tempos de glória, Logan e Xavier tentam fazer uma última vez a principal coisa que eles fizeram por muitos anos: ajudar uma jovem mutante, perdida e sozinha, a encontrar seu caminho.
Dito isso, fica claro que Logan é um filme para adultos não apenas devido a violência e aos palavrões (que são muitos), mas também devido a sua soturna temática. É notável a ousadia do estúdio ao permitir que a última aventura do (quase sempre) aclamado Wolverine de Hugh Jackman seja nada mais nada menos que um autêntico faroeste moderno. As referências ao gênero não são apenas implícitas, e ficam óbvias quando Xavier e Laura assistem, em um quarto de hotel, ao clássico Os Brutos Também Amam.
No filme, o calado e misterioso pistoleiro Shane (Alan Ladd) é acolhido por uma família simples e comum, o que lhe permite vislumbrar um estilo de vida que lhe é completamente estranho e que ele provavelmente jamais terá. Algo semelhante ocorre com Logan e seus dois companheiros de viajem, levando Xavier a dizer-lhe: “É assim que a vida é. Pessoas que se amam. Um lar. Você devia parar por um instante. Sinta isso. Você ainda tem tempo.”
Por fim, um outro grande mérito de Logan é encontrar tempo para momentos genuinamente tocantes, cheios de autenticidade e ternura, mostrando tanto a humanidade quanto a fragilidade desses homens que já venceram batalhas absurdamente épicas.
Se a temática e a ação de Logan são novas e refrescantes para a franquia, o mesmo não pode ser dito sobre seus vilões, formados pela velha combinação de cientista “maluco” e militar (ou paramilitar) violento e sádico que os mutantes já enfrentaram em diversas ocasiões. Essa parte do roteiro poderia ter sido melhor trabalhada, evitando que os personagens profundos e realistas mencionados anteriormente acabem enfrentando vilões quase caricatos.
Ainda assim, em um filme em que os principais vilões são os traumas e demônios internos que seus protagonistas carregam, os vilões externos cumprem seu papel como catalisadores da trama e até inserem um elemento quase filosófico na forma do mutante que é o grande antagonista de Wolverine nesse filme.
Felizmente, o diretor James Mangold, que já havia dirigido Wolverine: Imortal e o faroeste Os Indomáveis, não se esforça para fazer o filme se encaixar no bagunçado universo cinematográfico dos X-Men, se limitando a dizer que o filme se passa cinco anos após qualquer evento mostrado nos filmes anteriores. Isso o deixou livre para escrever esse faroeste levemente inspirado pela história do Velho Logan, adicionando realismo e até um certo grau de lirismo à narrativa. Os momentos finais do filme ecoam o emocionante e poético final de Os Brutos Também Amam, inclusive usando uma citação do filme que provavelmente será reproduzida ad nauseam Internet afora.
Em suma, Logan não é o bluckbuster para quem quer assistir apenas um divertido filme de super-heróis. Aqui, as ações dos personagens tem consequências tão realistas quanto trágicas, não servindo de forma alguma como entretenimento escapista. O rastro de mortos e feridos, incluindo civis, que o trio principal e seus algozes deixam ao longo da perseguição está longe das distantes e assépticas consequências da ação dos outros filmes da franquia.
Toda essa seriedade não deve incomodar os fãs do personagem, que o verão ser elevado ao seu máximo tanto em termos de brutalidade quanto de realismo, recebendo uma homenagem que economiza na grandiosidade para ser absolutamente fiel ao espírito selvagem do Wolverine.
E sobre aquela citação de Os Brutos Também Amam:
Um homem tem que ser o que ele é, Joey. Não há como quebrar seu molde. Eu tentei e não deu certo pra mim. (…) Joey, não há como viver com… com um ato de matar. Não há como voltar atrás. Certo ou errado, é uma marca. Uma marca que fica. Não há como voltar atrás. Agora corra para casa, para sua mãe, e diga a ela… diga a ela que está tudo bem. E que não há mais armas no vale.