Crítica: Jurado Nº 2
Juror #2, EUA, 2024
Max · Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
O drama no centro de Jurado Nº 2 está longe de ser tão multifacetado quanto o de Anatomia de uma Queda, mas ainda assim levanta questões que colocam em xeque tanto a nossa moral quanto os aspectos técnicos dos nossos sistemas de justiça. Mais que isso, a trama explora a diferença entre justiça e a percepção de justiça, dicotomia que fica ainda mais complicada quando levamos em conta as motivações pessoais dos agentes da lei. Além de lembrar clássicos como 12 Homens e uma Sentença e Rashomon, o filme se junta a exemplares mais recentes de filmes sobre culpa e moralidade, como O Culpado e Assassino por Acaso.
Durante um julgamento por assassinato, o jurado Justin Kemp (Nicholas Hoult) percebe que ele próprio pode ser o culpado pela morte da vítima. Isso o deixa em um dilema que, para qualquer pessoa com um forte senso de ética, é de difícil resolução. Se ele assumir a culpa e correr o risco de ser preso, sua esposa Allison (Zoey Deutch), que foi a pessoa que lhe ajudou a superar o alcoolismo e que está grávida de nove meses, ficará sem o seu apoio. Por outro lado, ficar em silêncio significa permitir que o acusado James Sythe (Gabriel Basso) cumpra pena por um crime que ele não cometeu.
Inicialmente, a solução encontrada por Justin é tentar garantir que Sythe não seja considerado culpado, mesmo sem admitir sua presença na fatídica noite do acidente fatal. Essa resolução faria com que a morte de Kendall Carter (Francesca Eastwood) ficasse sem solução, o que seria aceitável para Justin mas nada aceitável para a procuradora Faith Killebrew (Toni Collette), que está concorrendo à eleição para o cargo de procuradora distrital.
Além do drama pessoal de Justin, Jurado Nº 2 também está muito interessado nas condições que o colocaram nessa situação. Se a procuradora e os investigadores tivessem feito um trabalho mais completo, provavelmente teriam chegado a Justin com certa facilidade. Porém, uma vez que Sythe, que era namorado da vítima, foi considerado suspeito, a promotoria direcionou todos os seus esforços em construir um caso contra ele, e não em explorar todas as possibilidades possíveis, o que abriria outras linhas de investigação.
Assim como os personagens mencionam, é um caso clássico de viés de confirmação, que é quando as pessoas só levam em conta os detalhes e as evidências que confirmam as conclusões nas quais ela já acreditam. Dessa forma, quaisquer elementos que questionem essas conclusões são, consciente ou inconscientemente, ignorados.
A questão é que a motivação de Killebrew e da polícia é a de resolver o caso e oferecer um culpado. É isso o que a opinião pública espera, garantindo a percepção de que a justiça foi feita. Veja que as motivações aqui podem ser distorcidas, já que garantir a percepção de justiça não significa garantir que a justiça realmente tenha sido realizada. Essas distorções estão no centro das séries Histórico Criminal e A Cidade é Nossa. Nessa última, que é baseada em eventos reais, as distorcidas motivações da força policial de uma grande cidade dos EUA transformam a corporação em um antro de corrupção e abuso de autoridade.
Essa necessidade de justiça, que se manifesta como uma necessidade da percepção de justiça, pode ter outros efeitos colaterais. No Brasil, existem casos anedóticos de pessoas que dizem reconhecer “criminosos” mesmo sem realmente reconhecê-los. O raciocínio seria: já que a pessoa que me assaltou não está dentre os suspeitos apresentados, eu vou escolher qualquer um deles, pois todos eles devem ser culpados de alguma coisa. Assim, a vítima fica com a impressão de que alguma justiça foi feita, mesmo sem evidências de que o escolhido cometeu algum crime e sabendo que o verdadeiro culpado não foi pego.
O inconclusivo final de Jurado Nº 2 é um reflexo da complexidade do dilema apresentado. A rigor, a justiça realmente teria sido servida se Justin tivesse sido julgado e condenado pelo crime que cometeu. Porém, diante das circunstâncias de sua vida, parte do público pode acreditar que ele não merece todo o rigor da lei. Isso não significa que Sythe, por mais que possua um histórico de violência, mereça ser encarcerado por várias décadas.
Tudo isso faz de Jurado Nº 2 um ótimo filme para ser analisado e discutido. A narrativa pode não ser tão “animada” quanto muitas pessoas gostariam, mas as ideias e os dilemas morais são suficientes para manter o interesse de qualquer espectador que enxergue a complexidade desses temas e não se entregue a certezas absolutas.