Crítica: Homem-Aranha – De Volta ao Lar
Spider-Man: Homecoming, EUA, 2017
Aventura apresenta um novo e ainda mais espetacular Homem-Aranha
★★★★☆
Esse segundo reboot do Homem-Aranha nos cinemas consegue se justificar ao entregar uma visão mais original do herói, mantendo suas características mais familiares sem repetir os clássicos eventos que o formaram nos quadrinhos (mortes de Gwen Stacy e Tio Ben, Homem-Aranha lutador de ringue, etc.). Ele se distancia significativamente do Homem-Aranha/Peter Parker “básico” de Tobey Maguire na trilogia original, ainda que também fique longe do Peter Parker skatista e cheio de mistérios de Andrew Garfield. O fato de ele estar inserido no Universo Cinematográfico da Marvel (MCU) apenas o ajuda no quesito originalidade. Ao invés da inspiração do Tio Ben, Parker (Tom Holland) pode se espelhar e tentar seguir os passos de heróis muito maiores que ele: Os Vingadores. A dinâmica das interações entre ele e a dupla Tony Stark (Robert Downey Jr.) e Happy (Jon Favreau) tira boa parte da previsibilidade da história, que consegue ser fiel ao personagem sem repetir acontecimentos que já foram mostrados nos outros 5 (!!!) filmes.
O outro fator do MCU que enriquece De Volta ao Lar é a tecnologia. Com o poderosíssimo traje desenvolvido por Stark, podemos ver como seria um Homem-Aranha membro dos Vingadores, o que o aproxima das versões mais recentes do herói nos quadrinhos. E é muito divertido vê-lo se atrapalhando com as infinitas funcionalidades do seu novo traje.
O acesso à tecnologia tem um outro papel central na trama, já que é a principal motivação do vilão Adrian Toomes/Abutre (Michael Keaton), que forma uma gangue responsável por coletar, modificar e comercializar armas com a tecnologia dos Chitauri (raça alienígena que tentou invadir a Terra durante a Batalha de Nova York, mostrada em The Avengers: Os Vingadores). A gangue do Abutre inclui dois outros conhecidos vilões do aracnídeo: Herman Schultz/Shocker (Bokeem Woodbine) e Phineas Mason/O Consertador (Michael Chernus).
É interessante notar que a motivação do Abutre vai além da ganância, e o personagem deixa claro seu posicionamento político desde a cena de abertura do filme. Quando sua pequena empresa é substituída pela mega-construtora Controle de Danos (especializada na limpeza de cidades após batalhas entre super-heróis e super-vilões) para recolher os restos da Batalha de Nova York, Toomes se recusa a simplesmente sair do caminho e deixar a corporação tirar o seu dinheiro.
Insatisfeito com um sistema no qual o cidadão comum está fadado a sempre sair perdendo diante do poder econômico, ele monta sua iniciativa criminosa como uma forma de revanche. Seu discurso está muito próximo da onda política cuja consequência mais recente foi a eleição do bilionário Donald Trump como presidente dos EUA.
Mas o aspecto político fica no segundo ou terceiro plano em De Volta ao Lar. O primeiro é ocupado não pelas aventuras do herói, mas sim pela vida escolar e social de Parker, enquanto ele tenta impressionar tanto Tony Stark quanto Liz (Laura Harrier), a colega de escola por quem ele tem um crush.
O lado “comédia adolescente” dá ao filme uma leveza e um ar despretensioso que vai agradar muito a quem já está cansado de super-heróis que se levam a sério demais. Isso não impede que, no ato final, quando suas vidas como adolescente e super-herói se chocam, Parker passe por uma série de situações fisica-, psicologica- e emocionalmente destruidoras, durante as quais o garoto desenvolve a fibra moral e a resiliência de um verdadeiro herói.
Graça às interações com o MCU e à mão mais leve da Marvel Studios, Homem-Aranha: De Volta ao Lar apresenta um autêntico ar de novidade. Não vemos aqui apenas uma nova versão de uma mesma história, mas sim uma aventura completamente diferente e respeitosa ao espírito do personagem.
Comentários com SPOILERS
O plot twist no qual é revelado que Toomes é o pai Liz da origem a algumas das melhores cenas do filme, com Parker passando por verdadeiros momentos de tortura emocional e psicológica até sair da companhia do vilão que enfrentou várias vezes durante o filme. O diretor Jon Watts chegou a dizer:
Aquelas cenas com [Toomes] e Peter na casa, e na qual ele está levando Peter ao baile – aquela ali foi a razão para fazer esse filme. Aquilo, mais do que qualquer coisa, era o que eu estava ansioso para fazer, e me diverti muito filmando aquelas cenas.
E quando Toomes percebe que ele está levando ninguém menos que o Homem-Aranha, a pessoa que mais vem lhe causando problemas nas últimas semanas, o filme entra 100% no modo Tarantino de conversas ameaçadoras. Muita gente entenderia se Parker deixasse pra lá esse negócio de super-herói e seguisse com a própria vida. Intenso.
Mas vamos falar das cenas pós-créditos. Na primeira delas, Toomes encontra um dos criminosos com quem faria negócios na barca, que quer saber a verdadeira identidade do Homem-Aranha. Pra surpresa do espectador, Toomes não se mostra disposto a compartilhar a informação. Esse pode ser apenas um momento de redenção do personagem, que fica grato a Peter pelo que ele fez depois da batalha final. Mas também pode ter outros significados.
Pra começo de conversa, o criminoso que o questiona é ninguém menos que Mac Gargan (Michael Mando). Nos quadrinhos, ele é mais conhecido como o vilão Escorpião, um ex-detetive particular que aceita participar de um experimento maluco depois de não conseguir entender a ligação entre o fotógrafo Peter Parker e o Homem-Aranha. Mas a versão apresentada no filme está mais próxima de sua encarnação mais recente nos gibis, como um poderoso criminoso que eventualmente se junta a um simbionte alienígena para dar origem ao novo vilão Venom.
Já Toomes poderia vir a fazer parte do Sexteto Sinistro, um grupo de vilões do Homem-Aranha sobre o qual o estúdio Sony (ainda detentor dos direitos do aracnídeo e de seus vilões) pensou em fazer um filme isolado, ao estilo Esquadrão Suicida (2016). Pode ser que a ideia não esteja tão abandonada assim.
O estúdio, porém, já anunciou para 2018 o lançamento de um filme solo de Venom, a ser interpretado por Tom Hardy, que estaria fora do MCU. Então teríamos um Venom que faz parte do MCU e um que não faz? Dado o quão ansioso o estúdio anda recentemente atrás de franquias de sucesso, espero apenas mais bagunça (a não ser que a Marvel Studios realmente assuma as rédeas do processo criativo).
Já a segunda cena pós-créditos, que realmente só aparece depois das últimas letrinhas, não é nada mais que uma “trollada” dos cineastas: um dos vídeos educativos do Capitão América (Chris Evans), como os mostrados durante o filme, no qual ele explica a importância da paciência e como ela às vezes é muito bem recompensada… e às vezes não.