Crítica: Eternos

Eternals, EUA, 2021



Apesar de ser mais expositivo do que o ideal, Eternos é uma fantástica e experimental história de origem da Marvel

★★★★☆


O primeiro ato de Eternos pode ser pesado em termos de exposição, mas isso é compensado por algumas das mais fantásticas cenas de ação do MCU. Além disso, o filme introduz várias novidades a esse universo cinematográfico, como visuais mais realistas e uma história mais adulta e reflexiva. A diretora Chloé Zhao consegue estabelecer uma atmosfera épica e poética para a jornada de um grupo de heróis que se mistura com a jornada da própria humanidade ao longo dos tempos. As perguntas que eles fazem a si próprios são as mesmas que nos fazemos quando olhamos para o passado e para os possíveis futuros da raça humana.

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São questões bem semelhantes àquelas levantadas na série O Legado de Júpiter (crítica aqui): um grupo de seres super-poderosos teria o direito de conduzir a evolução da humanidade? Já que eles estão presentes no planeta, eles não teriam o dever de proteger os humanos de si próprios? Quais as implicações disso para o livre arbítrio da humanidade? A trama deixa claro que os Eternos são os fiéis soldados de Arishem (David Kaye), um celestial que os instruiu a proteger a humanidade apenas dos deviantes, sem necessariamente evitar os muitos crimes e conflitos ocorridos ao longo da História.

Assim como no caso de Duna (crítica aqui), essa familiar história é elevada pelos fantásticos visuais apresentados. Além das belíssimas locações e dos ótimos efeitos especiais, essa é uma das poucas vezes nas quais é possível ver os personagens cinematográficos da Marvel interagindo com elementos naturais. Enquanto os fãs já devem estar acostumados com cenas externas que claramente foram filmadas em um estúdio verde e com ar-condicionado, dessa vez é possível perceber o vento e a iluminação naturais em vários momentos.

Outra novidade que Eternos introduz ao MCU é que essa é uma aventura bem arriscada para uma história de origem. A preocupação com o fato de que talvez a equipe sofra com o excesso de super-heróis (são dez deles) é rapidamente descartada quando eles começam a morrer. A primeira morte parece ser um evento especial, apenas para aumentar o drama, mas depois que o segundo deles morre a impressão que fica é que ninguém está realmente seguro nessa trama. Há também os membros da equipe que podem se tornar problemáticos, deixando aberta a possibilidade de traições.

Tudo isso cria um ótimo clima de tensão na segunda metade de Eternos, culminando em incríveis batalhas na qual é possível ver toda a magnitude dos poderes desses super-heróis. Nesse sentido, os destaques são Ikaris (Richard Madden), Makkari (Lauren Ridloff), Phastos (Brian Tyree Henry), Kingo (Kumail Nanjiani), Thena (Angelina Jolie) e Gilgamesh (Ma Dong-seok), que mostram incríveis capacidades de batalha ao longo da produção. Eles são tão bons e possuem momentos tão épicos e intensos que fica difícil escolher um favorito. O que posso dizer é que, enquanto Thena, Gilgamesh e Ikaris parecem ser imbatíveis, Makkari é uma das melhores velocistas já levadas para o cinema.

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Sersi (Gemma Chan), Ajak (Salma Hayek), Duende (Lia McHugh) e Druig (Barry Keoghan) possuem poderes mais defensivos, apesar de Druig mostrar sua perturbadora capacidade de ataque em uma determinada cena. Seu poder como controlador de mentes faz dele o Eterno mais frustrado com a ordem de não interferência nos assuntos humanos, já que ele poderia evitar guerras e genocídios com um mero piscar de olhos. Consequentemente, seu poder também é o que levanta as maiores questões éticas, já que sua forma de “ajudar” a humanidade seria tirando dela a capacidade de escolha e tomada de decisões.

Os eventos históricos são inseridos na trama de forma um pouco desajeitada, com flashbacks que servem mais como fonte de informação do que como parte da narrativa. As explicações são feitas por meio de diálogos tão didáticos que prejudicam a naturalidade das cenas, ficando claro que os personagens estão falando muito mais com o espectador do que uns com os outros. Ainda assim, os flashbacks têm seus bons momentos, como quando mostra Ajak nos famosos Jardins Suspensos da Babilônia ou no momento em que Duende cria a lenda de Gilgamexe com base em seu parceiro de equipe. Ikaris e Thena também servem como base para as mitologias de Ícaro e Atena.

Já os momentos de humor funcionam surpreendentemente bem, especialmente com Karun (Harish Patel) e Dane (Kit Harington) servindo como ponto de vista do espectador e fazendo comentários metalinguísticos sobre a produção. Na frente dramática, o espetacular elenco selecionado para a produção faz toda a diferença, pois os atores precisam dar o devido peso a cenas tão curtas quanto importantes para a trama. Fica a esperança de que eles sejam melhor aproveitados em eventuais continuações, que devem ter menos personagens.

Se Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis (crítica aqui) representa um completo aperfeiçoamento da fórmula que o MCU utiliza em suas histórias de origem, Eternos representa uma exploração de como essa fórmula pode evoluir em outras direções. Apesar do exagero em termos de exposição, essa é uma bem-sucedida tentativa de fazer um filme de super-heróis com toques de cinema de arte, levando o público a não apenas se empolgar com a ação mas também a refletir sobre o caminho percorrido pela humanidade. Em outras palavras, Eternos é o que se pode esperar de filme da Marvel com toques de Nomadland (crítica aqui).