Crítica: Creed III
Creed III, EUA, 2023
Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
De alguma forma, Michael B. Jordan consegue injetar empolgação e inovação em Creed III mesmo seguindo à risca a fórmula da franquia Rocky/Creed. Com ajuda de uma história idealizada por Ryan Coogler e de um ótimo roteiro da dupla Keenan Coogler e Zach Baylin, Jordan tem uma ousada e confiante estreia na direção, concebendo uma narrativa que flui de forma rápida e eficiente. A ótima atuação de Jonathan Majors como o antagonista da vez completa o cenário para que esse seja um perfeito filme de boxe.
Parte do sucesso aqui está no fato de que a história funcionaria mesmo se Creed III não fosse um filme de boxe. O conflito que surge depois do reencontro entre Adonis Creed (Michael B. Jordan) e seu amigo de infância Damian Anderson (Jonathan Majors) lembra os temas abordados em dramas como Imperdoável e Dias Sem Fim. O encarceramento de Damian devido aos acontecimentos de uma fatídica noite quando eles ainda eram adolescentes faz com que suas vidas sigam caminhos completamente diferentes.
Enquanto Adonis teve a oportunidade de se tornar um grande campeão em Creed e de defender o legado de sua família em Creed II, Damian continuava atrás das grades, assistindo ao grande amigo conquistar tudo o que ele mesmo gostaria de ter conquistado. Os dezoito anos de encarceramento também não permitiram que Damian amadurecesse por completo e desenvolvesse sua inteligência emocional, saindo de lá ainda com a mentalidade de um adolescente frustrado, traumatizado e sonhador.
Mas Adonis também não está tão amadurecido assim. Apesar de já ter superado vários desafios e de ter evoluído bastante ao longo do caminho, a volta de Damian faz com que parte dele volte a ser apenas um adolescente assustado. De repente, ele precisa processar toda uma gama de sentimentos com as quais ele achou que nunca mais teria que lidar. E, assim como Damian, ele tenta processar a culpa, o medo e o arrependimento por meio da violência. Como efeito colateral, essa sua atitude começa afetar até mesmo a forma como sua filha Amara (Mila Davis-Kent) lida com os problemas.
A grande diferença é que Damian não tem nada a perder. Enquanto Bianca (Tessa Thompson) e Duke (Wood Harris) tentam manter Adonis centrado nas complexas questões do mundo real, Damian segue tentando viver e conquistar em um curto período de tempo tudo o que ele não pôde viver e conquistar ao longo de quase vinte anos.
Com um drama tão bem construído, as cenas de luta realmente precisam inovar para não se tornarem uma atração secundária. Jordan resolve isso com a ajuda de close ups e câmeras lentas que lembram as lutas de animes, uma inspiração que o diretor explicitou em várias entrevistas. Apesar de se distanciar da abordagem mais realista do restante da franquia, esse é um dos aspectos que ajudam Creed III a se mostrar relevante mesmo sendo o nono filme da série.
A abordagem também ajuda o diretor a explorar o espaço mental dos personagens na luta final, não se limitando a flashbacks e narrações entre um soco e outro. Isso faz com que o conflito emocional seja muito bem representado, deixando claro que por mais que Damian e Adonis estejam se trucidando no ringue, eles ainda enxergam o amigo de infância no outro.
O ringue físico e o ringue emocional se sobrepõem e se completam para transmitir as várias dimensões nas quais aquela batalha está sendo travada: um ex-campeão vs um ex-presidiário; um homem de família vs um adolescente sonhador; um empresário bem-sucedido vs um homem que nunca teve um patrimônio razoável; um lutador profissional vs um sobrevivente.
É até compreensível se o resultado da luta se tornar um aspecto secundário para parte dos espectadores. Talvez Creed III se beneficiaria de uma resolução emocional um pouco mais elaborada, mostrando exatamente como os dois personagens vão seguir em frente e o que mudou em suas vidas e em suas personalidades depois do épico combate. Porém, talvez Jordan esteja guardando isso para uma eventual continuação.
No mais, todos os outros detalhes de Creed III estão no lugar certo, seja a vida familiar do protagonista ou a volta de Viktor Drago (Florian Munteanu) para participar da ação. Também é interessante ver como, assim como no primeiro Rocky, é uma jogada de marketing que dá ao amador Damian a oportunidade de competir pelo título de melhor do mundo. Obviamente, a falta de maturidade e de uma estrutura familiar estendida (que inclui parentes e amigos) fazem com que sua trajetória seja bem diferente da trajetória do lendário Rocky Balboa (Sylvester Stallone).