Crítica – Coringa: Delírio a Dois
Joker: Folie à Deux, EUA, 2024
Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes
★★☆☆☆
O que o diretor Todd Phillips consegue mostrar com Coringa: Delírio a Dois é que realmente seria possível fazer um sombrio e divertido musical com base em seu Coringa. Infelizmente, Phillips mais uma vez se perde com uma estética impecável mas que não tem muito para dizer. Com a ajuda da ótima participação de Lady Gaga, o filme poderia ao menos ser um burlesco exemplar de cultura pop, o que o aproximaria de produções como Moulin Rouge, Sweeney Todd ou mesmo o fenômeno Barbie.
O protagonista Arthur Fleck/Coringa (Joaquin Phoenix) ainda está sofrendo, mas suas fantasias de vingança se convertem em uma fantasia de romance quando ele conhece Harley Quinzel (Lady Gaga). A partir daí, é possível perceber a ousadia de Phillips, que tenta fazer do filme um épico multifacetado sobre a trajetória de um trágico personagem. Porém, as várias “faces” da trama jamais funcionam de forma isolada e nem convergem para algo dramaticamente instigante.
Quando tenta ser um romance, a química entre os personagens parece forçada. Quando tenta ser um drama de prisão, a trama parece vagar sem destino e sem conclusão. Quando tenta ser um drama de tribunal, a narrativa fica rapidamente enfadonha. Quando tenta ser um musical, a trama não utiliza as canções nem para contar a história e nem para evoluir o arco dramático do protagonista. Os números musicais chegam a ficar repetitivos.
Não é que Delírio a Dois não tenha seus bons momentos. Ainda na primeira metade, a trama se mostra tão promissora que o espectador pode se ver tentando ativamente gostar do filme. A atuação de Phoenix mais uma vez é um show à parte, especialmente nas cenas no tribunal. Já Lady Gaga faz uso do seu star power para tentar manter o público entretido, o que funciona até certo ponto.
É possível perceber um tema central em Delírio a Dois, apesar dele acabar ficando diluído em meio às muitas outras distrações presentes na narrativa. Pode-se dizer que o filme é sobre um artista que perdeu o controle sobre seu personagem. Se por um lado o “Coringa” ajuda Fleck a se sentir visto e a se conectar com pessoas tão “quebradas” quanto ele, por outro o personagem parece ter ganhado vida própria e deixado o artista para trás em sua solidão.
Os fãs (tanto no filme quanto na vida real) amam o Coringa, não Arthur Fleck. Diante do circo midiático e do “julgamento do século”, a trágica e violenta história de vida de Fleck acaba sendo tratada como algo interessante e exótico. Não se enxerga o sofrimento do ser humano por trás da maquiagem, mas sim o “mito fundador” do “lendário” e violento Coringa. Apesar da esquete animada que dá início ao filme preparar o espectador para ir nessa direção, o restante da projeção não consegue cristalizar essa ideia de forma coesa e dramaticamente impactante.
O resultado acaba sendo tão profundo quanto um videoclipe musical, com a desvantagem de ter quase duas horas e vinte minutos de duração. Boa parte desse tempo de projeção é preenchido com cenas tão belas quanto desconexas entre si, apesar da trilha sonora ser deliciosamente nostálgica e melancólica. É como se a versão de Coringa: Delírio a Dois que chegou aos cinemas fosse um corte bruto, ficando a cargo do espectador selecionar seus momentos favoritos e transformá-los em uma obra mais lapidada.