Crítica: Clube dos Vândalos

The Bikeriders, EUA, 2023



Trailer · Letterboxd · IMDB · RottenTomatoes

★★★★☆


A abordagem que o diretor e roteirista Jeff Nichols adota em Clube dos Vândalos faz com que o resultado fique muito mais próximo de um documentário do que de um drama. Ainda assim, a narrativa consegue capturar com sucesso a inquietude e as contradições de um inconformista grupo de personagens em um marcante período da História dos EUA. Esse é mais um filme que cobre a ascensão e a queda da contracultura, servindo como complemento para exemplares como Medo e Delírio, Vício Inerente, Era uma vez em… Hollywood e Os 7 de Chicago.

clube dos vândalos

Apesar da abordagem documental e de se inspirar em pessoas reais, Clube dos Vândalos é uma ficção baseada no trabalho do fotógrafo Danny Lyon (Mike Faist). Nos anos 1960, Lyon se juntou ao clube de motoqueiros Chicago Outlaws, colhendo imagens e entrevistas que resultariam no livro The Bikeriders. A partir desse material (parcialmente disponibilizado pelo fotógrafo em seu site) e do contato com o próprio Lyon, o diretor Jeff Nichols compôs as versões fictícias das pessoas reais.

No filme, os Outlaws são substituídos pelos Chicago Vandals. A história é contada sob o ponto de vista de Kathy Bauer (Jodie Comer) e de seu relacionamento com o motoqueiro Benny (Austin Butler), que representa um ideal de rebeldia e inconformismo para os outros membros do grupo. O casal forma uma espécie de triângulo amoroso com Johnny (Tom Hardy), líder dos Vândalos com o qual Kathy precisa competir pela atenção de Benny.

A narração de Kathy, que foi inspirada nas gravações da Kathy da vida real, dá simultaneamente um tom de autenticidade e de mitologia à história. Ao mesmo tempo em que ela é representada como uma pessoa recontando suas memórias e suas experiências de vida, as formas com as quais ela apresenta os personagens dão a eles um aspecto lendário, como se fossem criaturas fantásticas que um dia caminharam sobre a Terra. Seu ponto de vista também é importante para ressaltar a distância entre o mundo dos “rebeldes das motocicletas” e o mundo dos “caretas”.

Por meio dela, Clube dos Vândalos conta a história de como o clube de motoqueiros do título foi formado e de como seus principais membros saíram dele, seja pela morte ou por desentendimentos. Esses personagens, interpretados por nomes como Michael Shannon, Boyd Holbrook e Norman Reedus, não são muito bem desenvolvidos, mas cumprem seu papel ao servir como elementos do mosaico de rebeldia e inconformismo que tanto Lyon quanto Nichols tentam montar.

clube dos vândalos

A trama mostra que o clube dos Vândalos foi criado como uma válvula de escape para homens que se sentiam “encurralados” entre as responsabilidades da vida familiar e da vida profissional. O grupo também atrai tipos boêmios e errantes que não conseguem se encaixar nos padrões de “vida normal” estabelecidos pela sociedade e são, de uma forma ou de outra, rejeitados.

Para eles, o clube também serve como forma de proteção, já que o estilo de vida “vagabundo” pode torná-los alvos da violência de cidadãos conservadores, como mostrado no clássico Sem Destino.

Dessa forma, percebe-se que as motivações para a criação do grupo são semelhantes às motivações dos protagonistas de Clube da Luta. Nos dois casos, os clubes servem como uma espécie de terceiro lugar, um ambiente que não é nem a casa e nem o trabalho, onde podemos interagir com pessoas diferentes e formar diferentes tipos de comunidades. Porém, nos casos desses dois filmes, a violência inerente ao grupo sai do controle e quaisquer aspectos positivos são perdidos ao longo do caminho.

Com o crescimento do grupo e a chegada de novos membros (incluindo veteranos da Guerra do Vietnã), a busca por liberdade, diversão e camaradagem dá lugar a comportamentos ainda mais tóxicos e violentos do que os membros originais estavam acostumados. Ao fim, a ideia do independente e quase intocável grupo de motoqueiros serve como inspiração para as fantasias de poder, violência e riqueza de jovens tão traumatizados quanto inescrupulosos.

E assim, os ideais de contracultura originalmente defendidos pelo clube dos Vândalos dão lugar a uma verdadeira organização criminosa, nos moldes daquelas mostradas em séries como Sons of Anarchy e Mayans MC.

Ao contrário dessas séries, Clube dos Vândalos não está interessado nos conflitos por poder e território nos quais as gangues de motoqueiros passaram a se envolver. O que o filme mostra é a ingênua busca por um tipo de liberdade que não passa de uma ilusão de irresponsabilidade e inconsequência. Essa ilusão é exposta pela narração de Kathy, que se mostra tão chocada quanto fascinada pelos “seres mitológicos” descritos em suas histórias.

Siga ou compartilhe: