Crítica: Barbie
Barbie, EUA, 2023
Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Um risco que o filme Barbie não corre é o de se levar a sério demais. A diretora Greta Gerwig acerta o tom na sátira e na comédia, chegando a ter momentos que lembram a energia caótica do premiado Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo. Com divertidos números de dança e música, a produção só não vai agradar a quem se sentir muito incomodado com a mensagem feminista da trama, apesar de que os temas abordados vão além disso.
Um filme sobre a boneca Barbie poderia ser uma previsível e inócua comédia romântica, na qual o principal problema da protagonista seria conhecer ou conquistar o homem de seus sonhos. Porém, nessa produção, os problemas de Barbie (Margot Robbie) surgem quando ela, que vive em um idílico e irreal mundo cor de rosa, entra em crise existencial e começa a pensar na própria mortalidade. Isso leva ela e Ken (Ryan Gosling) a uma incrível jornada rumo ao mundo real.
Essa premissa permite que a trama explore as inseguranças dos dois personagens. Enquanto Barbie descobre a existência de sentimentos negativos, Ken descobre que, ao contrário da Barbielândia, o mundo real é dominado pelos pontos de vista e pelas regras culturais estabelecidas pelos homens. Empolgado com a descoberta, ele passa então a manifestar suas frustrações de forma imatura e agressiva, refletindo o comportamento de muitos homens na vida real.
Algo que ocorre tanto na Barbielândia quanto no mundo real é que o lado dominante ignora as experiências e a humanidade do lado menos favorecido. No filme, as Barbies tratam os Kens como pessoas simplórias e submissas, sendo incapazes de levá-los a sério e de permitir que eles participem dos altos escalões do poder. Eles são tratados como cidadãos de segunda classe, que é como as mulheres em geral já foram (e, em alguns lugares, ainda são) tratadas no mundo real.
O roteiro de Gerwig e Noah Baumbach reconhece Barbie tanto como um brinquedo que marcou a infância de muitas pessoas quanto como um controverso ícone cultural que inspira as mais diferentes críticas e posições. Para a surpresa da personagem, que se vê apenas como uma influência positiva nas vidas das meninas, ela descobre que também é alvo de muito ressentimento, especialmente por incentivar padrões de beleza e de comportamento que limitam as experiências de vida de muitas mulheres.
Apesar de nem sempre conseguir, o roteiro tenta se manter equilibrado, sem se reduzir a uma completa “guerra dos sexos”. Um exemplo disso é que mesmo quando precisa enfrentar o patriarcado, Barbie reconhece que o comportamento tóxico de Ken é fruto da incapacidade do “boneco” de manifestar seus sentimentos e de lidar com suas frustrações. Assim como qualquer outro ser humano, ele só quer se sentir validado e amado, mas não sabe como lidar com essas necessidades e com as frustrações resultantes delas de forma saudável.
Por outro lado, o roteiro pesa a mão ao apresentar o patriarcado como uma mega conspiração que faz lavagem cerebral nas mulheres, o que retira delas parte da responsabilidade pelos próprios atos. Por mais que o filme não esteja tentando ser uma séria dissertação sobre feminismo e relações de gênero, a facilidade com a qual as mulheres são convencidas a se tornarem submissas e a simplicidade do discurso que as liberta acabam contribuindo para representá-las como simplórias e facilmente influenciáveis.
Porém, as únicas coisas que prejudicam Barbie como entretenimento são alguns diálogos um pouco mais longos que o ideal. Durante a maior parte da projeção, a abordagem de Gerwig chega a nos lembrar os divertidos e clássicos musicais de Hollywood, combinando muita dança, música, comédia e fantasia em uma explosão de sons e cores. Além disso, a sátira não poupa nem o próprio o filme, que sabe que não é tão transgressor quanto está se propondo a ser.
No fim das contas, pode ser que a grande “transgressão” de Barbie seja um case de marketing que promete ajudar uma produção de temática feminista a quebrar recordes de bilheteria.