Crítica: Assassinos da Lua das Flores
Killers of the Flower Moon, EUA, 2023
Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★★
Dentre as muitas histórias chocantes de violências cometidas contra populações indígenas, como as representadas nos filmes A Missão e The Nightingale, a história real contada em Assassinos da Lua das Flores contém um tipo “especial” de perversidade. Ao longo de suas mais de três horas de duração, o filme do diretor Martin Scorsese revela toda a frieza, toda a ganância e toda a estupidez de pessoas que exploram a confiança de indígenas Osage e se tornam assassinos extremamente íntimos.
É por meio do romance e do casamento entre Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio) e Mollie Burkhart (Lily Gladstone) que a trama introduz o espectador ao mundo e aos carrascos do povo Osage entre 1918 e 1931. Nessa época, muitos dos Osages se tornaram milionários graças ao petróleo encontrado na reserva indígena onde eles haviam sido colocados um século antes. Isso os torna alvo de uma traiçoeira conspiração.
Sem que eles percebam, tanto suas comunidades quanto suas famílias são infiltradas por homens brancos interessados apenas em seu dinheiro. As terras dos Osage não podiam ser vendidas, mas apenas herdadas, o que gera uma série de “casamentos seguidos de morte”. Mesmo que Ernest não perceba ou se recuse a enxergar, essa é a natureza de seu casamento com Mollie. Ele segue com essa visão mesmo depois de se envolver nas mortes de vários familiares de sua esposa, já que sua malícia só não é maior que sua estupidez.
O que Assassinos da Lua das Flores revela é que esses conspiradores não eram exatamente gênios do crime. Liderados pelo cruel e influente William Hale (Robert DeNiro), Ernest, seu irmão Byron (Scott Shepherd) e outros envolvidos são apenas delinquentes comuns utilizados pela organização criminosa. São assaltantes, golpistas e vagabundos que se aproveitam das fragilidades humanas dos Osage para tirar tanto suas posses quanto suas vidas.
Obviamente, essa criminalidade comum se mistura com a ideologia racista destrinchada em Extermine Todos os Brutos, já que uma série tão chocante de assassinatos dificilmente ocorreria tendo uma rica população branca como vítima. Uma vez que Hale conta com a conivência de todas as autoridades brancas locais, do xerife aos médicos, as mortes suspeitas jamais são investigadas e os assassinatos ocorrem durante mais de uma década.
Lembrando a trama de Mississippi em Chamas, o peso da lei só é sentido pelos conspiradores quando agentes federais chegam no condado dos Osage. Liderados pelo agente Tom White (Jesse Plemons), os investigadores fazem parte de um serviço federal de investigação que daria origem ao FBI. Esse é um padrão que se repetiria nos EUA ao longo do Século 20, com crimes de natureza racial só sendo seriamente investigados com a chegada de autoridades federais, já que as autoridades locais geralmente não coniventes com (ou estão dentre) os infratores.
Ainda assim, apenas os membros diretos da organização criminosa de Hale foram investigados e processados. As autoridades locais que conheciam e também participavam da trama não sofreram maiores consequências. Tanto a estupidez de Ernest quanto a participação desses “cidadãos de bem” nos crimes contra os Osage nos lembram do conceito de banalidade do mal, já que nenhum deles enxerga a tentativa de extermínio daquela comunidade indígena como algo monstruoso.
Isso também nos lembra de alguns chocantes episódios da História do Brasil, quando fazendeiros, agentes do governo e outros cidadãos faziam uso de envenenamento e técnicas de guerra biológica para exterminar povos indígenas e ocupar suas terras. Um dos exemplos mais emblemáticos foi o extermínio dos indígenas goitacá, guerreiros implacáveis que só foram “derrotados” quando aceitaram como presente roupas contaminadas com o vírus da varíola.
Combinando gêneros como romance, drama, faroeste e policial, Assassinos da Lua das Flores é um épico que, com a ajuda de atuações fantásticas de DiCaprio e Gladstone, nos lembra dos lados mais sombrios e mais resilientes da natureza humana. Seu objetivo não é apenas apresentar os fatos, mas também revelar os elementos humanos envolvidos nessa história chocante. Ainda que contado principalmente sob o ponto de vista de um dos conspiradores, são as vidas e os dramas vividos por suas vítimas que realmente se sobressaem e merecem ser lembrados por toda eternidade.