Crítica: Arcane
Arcane: League of Legends, EUA/França, 2021
Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★★
A animação de Arcane é tão bela e fluida que a história da série poderia ser sobre uma típica luta do bem contra o mal enquanto os personagens estão em busca de itens mágicos, e ainda assim valeria a pena dar uma conferida. Porém, além de aprofundar a premissa do jogo League of Legends, a trama apresenta um complexo mundo de fantasia que é um espelho do mundo real, investindo em temas sociais e em uma grande profundidade dramática. Ao invés de ser um mero derivativo, a produção se justifica por si só, sem nenhuma necessidade de conhecimento sobre esse universo em outras mídias.
Mais especificamente, a história investe em tragédias pessoais e sociais para explicar as origens de alguns personagens e da violência presente no jogo. Antes desse mundo ser mergulhado em um grande conflito, havia as bem-intencionadas tentativas do pesquisador Jayce (Kevin Alejandro) em misturar ciência e magia para salvar vidas e trazer prosperidade para a cidade de Piltover. Em seu caminho, havia a abordagem mais cautelosa e conservadora do conselho local, apesar de Viktor (Harry Lloyd) e Mel (Toks Olagundoye) ficarem do seu lado.
Porém, enquanto Piltover se preocupa com avanços tecnológicos e prosperidade, os moradores da subferia da cidade sofrem com a pobreza e a falta de infraestrutura. Abandonados pelo poder público, que só aparece para reprimi-los, eles dependem de lideranças locais, como Vander (JB Blanc), para protegê-los tanto das forças policiais quanto de criminosos, como Silco (Jason Spisak). É uma situação que claramente faz referência às desigualdades do mundo real, com a adição da rivalidade entre os líderes locais, já que enquanto Vander faz de tudo para manter a paz, Silco prefere mais uma vez declarar uma sangrenta guerra contra os poderes estabelecidos.
Mas no centro da ação estão Vi (Hailee Steinfeld) e Powder (Mia Sinclair Jenness), duas irmãs marcadas pela guerra anterior e adotadas por Vander. No primeiro ato de Arcane (a série é divida em três atos de três episódios cada), elas são afetadas por um novo conflito e acabam separadas. O fato da história ser contada ao longo de vários anos permite que a dramaticidade se desenvolva de forma ainda mais eficaz, mostrando as personagens em diferentes momentos de suas vidas e os efeitos que os traumas têm sobre elas. É impossível ver Jinx (Ella Purnell) apenas como uma antagonista, pois o espectador já a havia visto como uma criança frágil e persistente ao longo dos três primeiros episódios.
Todas essas subtramas são mostradas com bastante desenvoltura e com uma altamente satisfatória interconectividade, formando uma volátil situação social que envolve os mais diferentes tipos de interesses. A arrogância das corruptas elites de Piltover e o ressentimento dos moradores da subferia se combinam para criar um cenário no qual até a menor das provocações poderia dar origem a uma guerra total. Os acontecimentos dessa primeira temporada de Arcane se desenrolam a partir de um único evento: um roubo sugerido por Ekko (Miles Brown) e executado por Vi e seus irmãos adotivos. Porém, diante do desequilíbrio entre Piltover e a subferia, muitos outros eventos poderiam ter gerado o mesmo resultado.
Além de tudo isso, Arcane ainda conta com impressionantes cenas de ação e empolgantes batalhas, sempre acompanhadas de ótimas trilhas sonoras. Alguns dos momentos são empolgantes mesmo sem cenas de ação, especialmente quando realçam a beleza das imagens criadas pelo estúdio francês Fortiche. O visual fica melhor ainda quando se dedica ao estilo de luta de Vander e Vi, ou quando mostra as psicodélicas manifestações da instabilidade de Jinx, ou mesmo quando Jayce utiliza um poderoso martelo de guerra em batalha. Há muitos outros momentos que poderiam ser citados, como quando Jinx utiliza seus explosivos ou os duelos entre Vi e Sevika (Amirah Vann), mas é muito melhor ver do que tentar explicar a intensidade da coisa.
Ao lado de Castlevania (crítica aqui), Arcane ajuda a Netflix a se destacar na produção de animações para adultos. Essas são séries de fantasia que não se limitam a conceitos simplórios e maniqueístas, tentando sempre abordar temas filosóficos e dizer algo relevante sobre a humanidade. Tematicamente, Arcane vai ainda mais fundo que Castlevania ao explorar a relação entre experiências pessoais e acontecimentos históricos, mostrando as diferentes camadas de interesses políticos, econômicos e emocionais que influenciam qualquer vida humana.