Crítica: Animais Noturnos

Nocturnal Animals, EUA, 2016



Drama sobre o poder da ficção tem narrativa arrojada e estilosa

★★★★☆


Nesse drama com fortes tons de thriller psicológico, após 20 anos da separação, Susan (Amy Adams) recebe de seu ex-marido Edward (Jake Gyllenhaal) um manuscrito do primeiro livro que ele conseguiu escrever. Ainda não publicado e intitulado Animais Noturnos, ele quer que ela seja a primeira pessoa a ler a triste e cruel história. A leitura do manuscrito leva Susan por uma jornada de culpa e auto-conhecimento, apresentada com um visual estiloso e uma narrativa segura do renomado estilista e agora diretor Tom Ford. Usando flashbacks e rimas visuais entre as cenas do livro e as cenas da vida real, o filme é um forte exercício de narrativa, que consegue transmitir de forma intensa os efeitos da obra de ficção sobre a protagonista.

50805_AA_6087 print_v2lmCTRST+SAT3F Academy Award nominee Amy Adams stars as Susan Morrow in writer/director Tom Ford’s romantic thriller NOCTURNAL ANIMALS, a Focus Features release. Credit: Merrick Morton/Focus Features

O livro conta a história de Tony Hastings (também interpretado por Jake Gyllenhaal) e sua família. Durante uma viagem, quando estão passando por uma estrada quase deserta do Texas, a família Hastings é atacada por um bando de valentões que inicialmente parece querer apenas assustá-los. O calmo e pacífico Tony tenta conversar e ser racional com os agressores, mas a situação logo sai completamente de controle e ele não consegue defender sua esposa e filha. O filme nos mostra esses momentos de forma paciente e angustiante, fazendo com que esse pesadelo no meio do nada incomode e revolte o espectador da mesma forma que a Susan enquanto ela lê a história. Após o ocorrido, Tony vai em busca de justiça, enquanto luta tanto contra o sentimento de culpa como contra sua própria natureza pacata e inofensiva.

As cenas do livro são intercaladas com cenas de Susan em sua vida atual e flashbacks de sua vida passada ao lado de Edward. Isso permite que o espectador vá montando o quebra-cabeça narrativo e percebendo a relação entre a obra de ficção e a vida real. Inicialmente, Tony Hastings parece ser um reflexo de Edward, que é tido por Susan como um homem sensível e de bom coração, mas que não é o suficiente pra ela. Porém, ao longo da narrativa, Hastings vai inadvertidamente se transformando em uma pessoa completamente diferente e que não sabe ao certo o que está fazendo, o que pode ser considerado um reflexo da própria Susan. Quando a vemos no presente, sua personalidade está muito parecida com a da própria mãe, com quem tinha um relacionamento complicado e não gostava de ser comparada. Diante disso, o envio do livro por Edward pode ser considerado um ato de vingança pelos traumáticos acontecimentos que ocorreram durante o processo de divórcio deles.

nocturnal1Mas existem muitos outros detalhes e, talvez, algumas outras formas de se interpretar essa história. O diretor mantém o filme introspectivo e não dá nenhuma explicação de mão beijada, se limitando a apresentar os acontecimentos e os efeitos deles sobre os personagens. O fato de que há uma história dentro da história causa a impressão de que estamos assistindo dois filmes de gêneros diferentes, sendo um deles um drama centrado na personagem de Amy Adams. O outro é quase um faroeste, uma história de violência e vingança no deserto texano, no qual se destacam os carismáticos personagens interpretados por Michael Shannon e Aaron Taylor-Johnson, respectivamente, o detetive Andes e o monstruoso bandido Ray Marcus. A história dentro da história lembra também o ótimo Acima das Nuvens, ainda que nesse outro ficamos a maior parte do filme sem saber se a obra de ficção é que influenciou o comportamento da protagonista ou se foi ela que influenciou a obra, que só vemos quando as personagens do filme a interpretam em uma peça de teatro.

Animais Noturnos tem um visual que é em alguns momentos extremamente belo e em outros bastante chocante, mas sempre cativante e estiloso. Suas trágicas histórias e tristes personagens não deixam o espectador após o fim da sessão, ou mesmo nos dias seguintes a ela. Algumas cenas podem emocionar, mas a mensagem central do filme é de uma tristeza tão profunda que não permite que nenhuma lágrima seja derramada.