Crítica: Ainda Estou Aqui

Ainda Estou Aqui, Brasil/França, 2024



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★★★★★


A família do ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello) foi apenas uma das muitas famílias afetadas pela máquina de repressão da ditadura militar brasileira. A história desse drama em particular é contada sob o ponto de vista de sua esposa, Eunice Paiva (Fernanda Torres/Fernanda Montenegro), em Ainda Estou Aqui, adaptação do romance homônimo escrito pelo filho do casal, o escritor Marcelo Rubens Paiva (Guilherme Silveira/Antonio Saboia).

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Por mais que o filme esteja focado no drama familiar, a narrativa também é muito bem-sucedida na sua representação da mentalidade por trás de um regime ditatorial. Não se trata apenas de um governo que não admite a existência de uma oposição política e de vozes dissidentes, mas também dos “soldados rasos” que veem no regime uma oportunidade de exercer o pequeno poder.

Seja por estarem alinhados com as crenças dos generais ou por puro oportunismo, são os homens que prendem Eunice e Rubens Paiva que realmente materializam o poder do ditador. Não se trata apenas de uma obediência cega, mas também de um sentimento de fazer parte do inquestionável grupo que está no poder. Esses “soldados rasos” estão livres para fazerem o que quiser, desde que o façam contra opositores do regime.

Esse e outros aspectos aproximam Ainda Estou Aqui dos ganhadores do Oscar A Vida dos Outros e O Segredo dos Seus Olhos, tramas que abordam regimes ditatoriais na Argentina e na Alemanha. Além da temática, o filme brasileiro também se aproxima desses dois outros em termos de qualidade, relevância histórica e impacto emocional.

Os três filmes também oferecem experiências semelhantes em termos da angústia causada pelas ações arbitrárias e impunes dos agentes do Estado.

O diretor Walter Salles aproveita a recriação do Brasil dos anos 1970 para levar o espectador por uma nostálgica viagem pelo lado menos sombrio do país naquela época. Esses momentos são importantes para estabelecer como era o dia a dia da família antes de ela ser marcada pela escuridão do autoritarismo.

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Mas o assunto principal de Ainda Estou Aqui é como o desaparecimento de Rubens Paiva afetou imediatamente a sua família. Não se trata apenas do drama familiar, mas sim da forma visceral com a qual o filme transmite esse drama. Com a ajuda de uma atuação fenomenal e de tomadas e enquadramentos insistentes, o espectador é levado a sentir todo o peso existencial que de repente recai sobre Eunice.

Agora cheia de incertezas e sozinha com as crianças, ela precisa repensar todo o seu futuro enquanto ainda está de luto tanto pelo marido quanto pela vida que eles tinham. Ela não apenas perdeu um parceiro de vida, mas também herdou todas as responsabilidades dele em relação às filhas e ao filho. Essa era uma realidade impensável, e agora ela precisa se adaptar rapidamente.

Ainda Estou Aqui também é sobre a passagem do tempo e sobre as marcas que o autoritarismo deixa nas vidas das pessoas. É uma história sobre a memória e sobre a importância de não esquecer; assim como é uma história sobre tudo o que poderia ter acontecido, sobre as vidas que foram interrompidas e sobre as trajetórias pessoais e nacionais que foram afetadas.

Apesar de todo o contexto político, Ainda Estou Aqui é antes de mais nada um retrato de família. Se o filme é capaz de provocar um potente efeito emocional sobre qualquer espectador, e não apenas sobre aqueles que viveram e sofreram naquele período, é porque todas as famílias tem suas cicatrizes, seus traumas e suas preciosas memórias.