Crítica: Adolescência
Adolescence, Reino Unido, 2025
Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★★
* Contém SPOILERS da minissérie Adolescência
Quem estiver esperando quaisquer elementos convencionais na minissérie Adolescência pode acabar decepcionado. Ao invés de grandes reviravoltas ou revelações, a história está mais preocupada em representar um drama para o qual não há respostas fáceis ou qualquer tipo de solução. No máximo, a trama serve como um cativante e emocionante alerta para pais, professores e psicólogos sobre os conteúdos que crianças e adolescentes consomem online.
Cada um dos quatro episódios de adolescência se passa em tempo real, cobrindo diferentes momentos de um chocante caso de assassinato.
A primeira hora mostra a prisão, o processamento e o primeiro depoimento do jovem de 13 anos Jamie Miller (Owen Cooper), que está sendo acusado de matar a colega de sala Katie (Emilia Holliday). O episódio realça tanto os procedimento burocráticos aos quais Jamie é submetido quanto o choque de seus pais, Eddie (Stephen Graham) e Manda (Christine Tremarco), ao verem o filho mais novo ser tratado como um criminoso violento.
A abordagem em tempo real e sem cortes perceptíveis poderia ser uma distração, mas acaba sendo um mecanismo que ajuda o espectador a imergir nos pesadelos vividos por esses personagens. Com a ajuda de fantásticas atuações, a sensação de autenticidade sempre é garantida durante o desenrolar da narrativa.
O segundo episódio mostra os detetives Bascombe (Christine Tremarco) e Misha Franck (Faye Marsay) dois dias depois, visitando o colégio onde Jamie e Katie estudavam. Uma importante descoberta é feita na investigação, mas o mais importante desse episódio é como Bascombe é afetado por revelações feitas por seu próprio filho, levando-o a refletir sobre suas próprias ações como pai.
Mas são os dois episódios finais, que se passam meses depois da prisão de Jamie, que tentam ir mais fundo nas motivações e na mentalidade que levou o garoto a cometer o assassinato. É um contexto que não oferece respostas simples e que leva em conta tanto a influência de seu pai quanto a influência dos discursos online sobre a trágica situação.
Ao invés de apresentar o caso como um quebra-cabeça policial, Adolescência apresenta a situação como um indecifrável quebra-cabeça psicológico e emocional. Há vários elementos envolvidos, mas é impossível afirmar com certeza qual o grau de importância de cada um deles no resultado final.
Podemos começar a análise a partir do temperamento do pai de Jamie, o encanador Eddie. Seu jeito agressivo e explosivo parece ter sido herdado pelo garoto, que dá vários sinais, no terceiro episódio, de ter um baixo nível de inteligência emocional. Tanto pai quanto filho parecem incapazes de processar a tristeza e a frustração de formas saudáveis, com esses e outros sentimentos negativos sempre emergindo na forma de agressividade com quem estiver ao redor.
Combinada com as inseguranças típicas da puberdade, essa agressividade se torna um motivo de preocupação. Porém, o próprio Eddie jamais cometeu algum grave ato de violência. O quarto episódio, que acompanha o drama da família enquanto Jamie está preso, faz questão de incluir uma história de quando Eddie tinha a mesma idade do filho, revelando o quão meigo e inofensivo ele era em sua infância.
Uma outra peça desse quebra-cabeça é o mundo online ao qual os jovens como Jamie estão tendo acesso. A ideia de uma masculinidade performática que está sempre estabelecendo as regras para o que seria um “homem de verdade” não nasceu com a Internet, mas encontrou nos fóruns online e nas redes sociais o ambiente perfeito para se propagar ao redor do mundo e longe do radar de adultos responsáveis.
Aparentemente, Jamie não faz parte desses tipos de comunidade, mas os colegas o tratavam como se ele fizesse. Isso revela um tipo de bullying que passa despercebido tanto pelos pais quanto pelo investigadores da polícia, que não conseguem perceber as sutilezas dos comentários dos jovens no Instagram. O garoto, que era considerado “estranho”, era chamado de incel e red pill em comentários que recebiam quantidades desproporcionais de likes.
Porém, apesar de não se considerar um seguidor dessas “filosofias” de caráter misógino, Jamie dá vários sinais de que seu comportamento foi sim influenciado por elas. Essas tendências já são problemáticas o suficiente entre adultos, mas podem fazer muito mais estragos se passarem a ser levadas a sério por crianças e adolescentes.
Ao invés de cometer erros inofensivos que irão se tornar memórias embaraçosas, alguns desses jovens podem cometer atos de violência de natureza irreversível. Não é que a violência infanto-juvenil tenha acabado de surgir, mas ela pode se tornar cada vez mais pervasiva graças a esses tipos de comunidades online.
A trama de Adolescência também aborda a culpa sentida pelos pais de Jamie, que se perguntam se poderiam ter feito algo diferente para evitar uma tragédia que ameaça destruir tanto a família da vítima quanto a família do agressor. Eles sabem que fizeram tudo o que podiam para Jamie ser um bom garoto, mas parece que “tudo o que podiam” não era o suficiente.
Diante de todas essas variáveis, nem eles nem o espectador serão capazes de chegar a uma “fórmula mágica” capaz de garantir que os jovens não irão recorrer a comportamentos fisicamente ou psicologicamente violentos. Monitorar as atividades online e o estado mental de crianças e adolescentes é um bom começo. Porém, esse é um começo complexo e trabalhoso o suficiente para sobrecarregar muitos pais, dificultando significativamente quaisquer medidas adicionais.
A trama de Adolescência pode ser complementada pelas minisséries Inacreditável e Debaixo da Ponte, que são baseadas em histórias reais. Enquanto a primeira fala de misoginia e violência contra a mulher, a segunda aborda o chocante caso de um assassinato cometido por adolescentes na década de 1990. Já a minissérie Clickbait e o filme Rede de Ódio jogam luz sobre as possibilidades de abuso criadas pelas novas comunidades online.
Por mais que possa ser considerada extremamente educativa e socialmente relevante, Adolescência se destaca por uma narrativa tão ousada quanto emocionalmente ressonante. A direção de Philip Barantini é um tour de force memorável, não apenas colocando o espectador dentro da ação, mas também dentro dos corações de pessoas que estão passando por alguns dos momentos mais devastadores de suas vidas.
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