Crítica: A Vigilante do Amanhã – Ghost in the Shell
Ghost in the Shell, EUA, 2017
Adaptação se limita a ser um bom filme de ação
★★★☆☆
Essa adaptação do clássico de 1995 deixa de lado os temas profundos do material original para entregar um mediano (ainda que visualmente estimulante) filme de ação. Transferindo fielmente para live action algumas das icônicas cenas do anime, A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell se concentra na forma, e não no conteúdo. O resultado até funciona como uma homenagem de luxo ao original, mas, ainda que incentive mais pessoas a conhecerem o provocante anime, não consegue adicionar algo que justifique sua própria existência.
Nessa história, a Major Mira Killian (Scarlett Johansson) é a arma número 1 da agência de segurança Seção 9, pois possui características únicas: sua mente habita um corpo 100% sintético, dando ao serviço todas as vantagens táticas de um moderno e ágil ciborgue combinadas com uma inteligência 100% humana. Quando vários cientistas da corporação Hanka (grande fabricante de androides possuidores de inteligência artificial) são assassinados em uma série de ataques, a Major e seu parceiro Batou (Pilou Asbæk) são enviados por Aramaki (Takeshi Kitano), chefe da Seção 9, para seguir uma das linhas investigativas. Isso os coloca no rastro do misterioso Kuze (Michael Pitt), que parece ter desenvolvido a habilidade de hackear a mente de pessoas possuidoras de melhorias biônicas.
A investigação rapidamente fica pessoal para a Major, pois a Hanka também é a empresa que fabricou seu corpo e transferiu sua mente para ele, tornado-a o primeiro resultado bem sucedido desse tipo de transferência. A linha narrativa que explora a busca por identidade da protagonista foi a única temática mais profunda mantida por essa adaptação. Uma vez que as memórias de sua “vida passada” foram perdidas, seus esforços para entender como é ser um humano normal e onde ela se encaixa nesse mundo são genuinamente tocantes (em grande parte devido à ótima atuação de Johansson, que vem se concretizando como heroína de ação). Em busca de sua própria humanidade enquanto a maioria das pessoas a veem como uma arma, o ressentimento da personagem transparece em várias de suas falas. Quando a doutora Ouelet (Juliette Binoche) diz que ela é a única de sua espécie, ela responde: “Você não tem ideia do quão sozinha isso faz eu me sentir.”
Porém, mesmo nessa linha houve uma certa “sanitização” das temáticas, que no original incluía subtextos sobre a identidade sexual da protagonista e as implicações de sua mera existência sobre questões como a reprodução humana. Dentre as outras questões ausentes nessa adaptação, destaque-se o lado existencial da trama. Quando o vilão do anime (que não é Kuze, mas sim o terrorista conhecido como Mestre das Marionetes) é revelado e torna clara qual a sua natureza e quais são seus objetivos, o espectador não consegue deixar de se perguntar: o que significa estar vivo? Uma mente desprovida de um corpo pode ser considerada uma forma de vida? Essa pessoa desprovida de um corpo teria os mesmos direitos que qualquer cidadão?
A filosofia fica ainda mais pesada quando o espectador passa a se analisar sob essa lógica: o que chamo de “eu” não seria apenas um “fantasma” dentro da máquina orgânica que chamo de corpo? Considerando os inúmeros processos bioquímicos que ocorrem em nossos corpos e que moldam nossas ações e nossas personalidades, uma mente separada de seu corpo não seria então uma outra pessoa? Ou, fazendo uma analogia com o mundo da computação, o que chamamos de “eu” seria apenas o software que controla um determinado hardware? Esses e outros questionamentos ficam de fora dessa adaptação graças a vilões bem mais simples e unidimensionais, com direito à utilização dos mais diversos clichês de filmes de ação.
E falando nisso, no quesito filme de ação A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell não decepciona. O belo e estiloso visual da animação é trazido com toda pompa e circunstância para o universo live action, fazendo valer a pena o esforço que os roteiristas fizeram para manter as cenas de ação do anime enquanto alteravam a história quase completamente. Seja no ataque ao hotel no início do filme, ou na perseguição e captura do “criminoso” que teve a mente hackeada por Kuze, ou mesmo no épico embate entre a Major e um “tanque-aranha”, as cenas de ação ficaram quase tão boas quanto os fãs poderiam querer. O “quase” é devido a alguns problemas na montagem, que chegam a ficar graves na cena em que a Major é capturada por Kuze.
O final do filme também é bem diferente do final do anime, ficando aberto para eventuais continuações, o que com certeza sempre esteve nos planos do estúdio responsável por essa adaptação. Se eles realmente conseguirem emplacar uma franquia, certamente será um produto ainda mais derivativo, pois, apesar de funcionar como filme de ação, A Vigilante do Amanhã ainda está bem longe de fazer jus ao espírito de Ghost in the Shell.