Crítica: A Nuvem

La Nuée, França, 2020



A Nuvem é muito menos sobre gafanhotos assassinos e muito mais sobre obsessões irracionais

★★★☆☆


O material de divulgação de A Nuvem promete uma história de terror com gafanhotos assassinos, mas o filme na verdade se trata de um drama familiar permeado por terror psicológico. O terror convencional só se estabelece no ato final da produção, servindo muito mais como desfecho do que como atração principal. Até lá, o espectador acompanha um tenso e sombrio drama sobre desespero e obsessão, com os gafanhotos servindo como uma metáfora (ou como uma manifestação física) para os problemas da protagonista.

a nuvem 1Depois da morte do marido, Virginie (Suliane Brahim) assume a fazenda da família e substitui a criação de cabras por uma criação de gafanhotos, que ela vende como proteína para criadores de aves e para lojas de produtos orgânicos. Porém, o negócio é colocado em risco quando os gafanhotos param de procriar na velocidade esperada, deixando Virginie temendo pelo sustento de seus dois filhos, a adolescente Laura (Marie Narbonne) e o pré-adolescente Gaston (Raphael Romand).

São os filhos que acompanham a lenta mudança no comportamento da mãe depois que ela encontra acidentalmente uma solução para o problema: alimentar os gafanhotos com sangue. Desesperada, ela começa oferecendo o próprio sangue aos animais, dando um significado literal ao termo “dar o sangue” pelo trabalho. Ela posteriormente encontra outras fontes do material e expande a criação, mas nesse ponto o que era para ser um negócio de família já se tornou uma obsessão.

A partir daí, Virginie passa a criar cada vez mais gafanhotos, sem se preocupar com as consequências ou com as implicações. Ela não parece ter uma meta a ser atingida, se preocupando apenas em expandir mais e mais, ainda que a alimentação dos insetos com sangue não seja sustentável em larga escala. Ela começa a negligenciar até mesmo os próprios filhos, perdendo a perspectiva sobre as relações familiares e sobre sua amizade com Karim (Sofian Khammes), um produtor de vinho amigo da família.

Fica claro que A Nuvem não é sobre gafanhotos que consomem sangue, mas sim sobre um comprometimento irracional que consome a família e as amizades da protagonista. Virginie se torna tão focada no sucesso financeiro que não deixa espaço para mais nada em sua vida, passando a viver em função do trabalho ao invés de trabalhar para poder viver. A principal nuvem que há no filme não é a de gafanhotos, mas sim a da obsessão que a cega para o mundo ao seu redor.

Outra forma de interpretar a temática do filme é do ponto de vista ecológico, com a obsessão de Virginie representando o consumo descontrolado de recursos pela humanidade, que ainda foca mais no crescimento econômico do que em desenvolvimento sustentável.

a nuvem 2O filme tem sido comparado a Os Pássaros, clássico de Alfred Hitchcock, com os pequenos insetos servindo como as criaturas aterradoras da vez. Porém, ele possui mais semelhanças com a trama do musical de comédia A Pequena Loja de Horrores, no qual um floricultor se torna cúmplice e refém de uma planta carnívora. A diferença é que, ao invés de humor negro, A Nuvem conta com um clima de terror psicológico semelhante ao de Ao Cair da Noite (crítica aqui), drama que também usa uma premissa de terror para explorar questões mais sérias e perturbadoras da psique humana.

Com um ritmo lento e introspectivo, A Nuvem é muito mais indicado para os fãs de dramas familiares do que para fãs de terror. Se visto com as expectativas corretas, o filme pode ser considerado muito bom. Porém, para quem estiver esperando gritos, sustos e correria, a produção tem muito pouco a oferecer.