Crítica: A Arma Perfeita
The Perfect Weapon, EUA, 2020
Documentário faz levantamento de vários casos de ciberataques que apontam para o surgimento de um novo tipo de guerra
★★★★☆
O levantamento feito pelo documentário A Arma Perfeita cobre os principais ataques cibermilitares conhecidos pela imprensa e pelo público nos últimos anos. A produção ajuda a contextualizar esses casos e a visualizar o padrão que vem emergindo desde 2007, apontando para um novo e potencialmente mortal tipo de ataque militar. De baixo custo e de difícil detecção, essa nova forma de fazer guerra promete alterar a distribuição de poder e afetar profundamente o cenário geopolítico das próximas décadas.
O ataque inicial foi realizado pelos Estados Unidos, com a “arma” que ficou conhecida como Stuxnet. O documentário Zero Days (resenha aqui), lançado em 2016, entra nos pormenores desse caso, falando sobre o contexto do desenvolvimento daquele software, como ele foi deployado e como ele vazou para o restante do mundo. O filme de 2016 termina com fontes da NSA alertando para um projeto de codinome Nitro Zeus (notícias aqui e aqui), uma arma tão poderosa que seria capaz de fazer danos irreversíveis à infraestrutura de uma país, como nas redes de distribuição de gás ou energia elétrica.
Alvo do Stuxnet, a resposta do Irã veio depois que o bilionário americano Sheldon Adelson defendeu o uso de armas nucleares contra o país. Os cassinos de Adelson em Las Vegas e na Pensilvânia foram atacados de forma tão severa que seus gerentes precisaram suspender as operações até a situação se normalizar.
Já a Coreia do Norte atacou os estúdios Sony como retaliação pela produção do filme A Entrevista, comédia de besteirol na qual dois jornalistas são encarregados pela CIA de assassinar Kim Jong-un depois que o ditador decide lhes conceder uma entrevista. Além de uma grande vazamento de emails, o ataque também incapacitou boa parte da infraestrutura de TI (Tecnologia da Informação) da empresa, fazendo-a voltar a operar de forma “analógica” por algum tempo. De acordo com as investigações, um único hacker norte-coreano foi enviado para a China, onde montou uma equipe mais capaz e realizou o ataque.
Até hoje não se sabe exatamente como os EUA retaliaram ao ataque norte-coreano, já que o país possui uma infraestrutura de TI tão pequena que nem faria sentido atacá-la. O que ficou claro é que os ataques aos cassinos e ao estúdio pegaram as autoridades americanas de surpresa, pois elas não esperavam que organizações privadas fossem alvos de agentes estatais. Porém, até agora, esse é o tipo de caso mais comum na guerra cibernética que vem ocorrendo, que inclui o surgimento de ransomwares como o NotPetya e o WannaCry.
A Arma Perfeita pula então para 2016 e a influência russa nas eleições dos EUA, processo que já foi detalhado no documentário de duas partes Agentes do Caos (crítica aqui). Nesse caso, além do roubo de dados do Partido Democrata e da manipulação do discurso público com a ajuda do Facebook e de fake news, a inteligência russa também conseguiu invadir sistemas de cadastro de eleitores, ficando preparada para provocar um caos sem precedentes na História dos EUA.
Tanto A Arma Perfeita quanto Agentes do Caos apontam para a participação da mídia convencional e do grupo WikiLeaks (que também ajudou a vazar dados da Sony) na campanha de desinformação que visava diminuir a confiança do público no processo eleitoral dos EUA. Enquanto a mídia estava disposta a publicar qualquer polêmica que gerasse mais cliques e mais audiência, o grupo de Julian Assange chegou a fazer vazamentos de dados em momentos estratégicos da campanha presidencial, visando tirar a atenção de notícias que poderiam deixar claro o envolvimento da Rússia ou prejudicar a imagem do candidato Donald Trump.
A resposta de Trump aos ataques foi previsivelmente “suave”, já que sua campanha foi a maior beneficiada. A maior colaboração “positiva” que ele fez durante sua presidência foi delegar a autorização de ataques cibernéticos aos especialistas, algo que o ex-presidente Barack Obama não estava disposto a fazer devido à gravidade e sensibilidade desse tipo de ação. Isso possibilitou a realização de mais operações ciber-militares, que em geral tinham o intuito de intimidar a Rússia e deixar Vladimir Putin menos disposto a realizar ataques, uma estratégia que em muito lembra os “bons” tempos da Guerra Fria (além da ideia por trás de Nitro Zeus).
A Arma Perfeita termina com dois alertas. O primeiro é sobre o fato de que as campanhas de desinformação estão atacando sistemas que nós ainda não sabemos como defender: a mente humana e o tecido social. Dado que os agentes políticos dificilmente vão parar de mentir, como tornar o público em geral menos susceptível a manipulações que o levarão a agir contra os próprios interesses? Quais medidas educacionais podem ser tomadas? E socioeconômicas? Nós já sabemos como melhorar os sistemas computacionais, mas os sistemas sociais serão o grande desafio.
O outro alerta é sobre a China, país que tem sido um mero coadjuvante na atual guerra cibernética. Se países com recursos limitados como a Rússia, o Irã e a Coreia do Norte foram capazes de executar ataques bem-sucedidos contra os EUA e outros países, imagine o que acontecerá quando a nova maior economia do mundo entrar de vez jogo. O país conta inclusive com a Huawei, uma gigante das telecomunicações que tem tudo para dominar o mercado mundial em determinadas áreas ou tecnologias.
Apesar de apresentar poucas novidades, A Arma Perfeita se torna vital ao apresentar todos esses casos como integrantes de uma mesma narrativa global. A relação entre notícias falsas, vazamentos de dados e segurança nacional fica mais clara e mais preocupante depois das conexões estabelecidas pelo filme. Também fica claro que, na esperança de evitar uma guerra convencional com o Irã, os EUA acabaram abrindo a Caixa de Pandora de um novo tipo atuação militar, para o qual a grande maioria dos países e das organizações estão despreparados.