Crítica: A Agência – 1ª Temporada
The Agency, EUA, 2024
Prime Video · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Na longa tradição dos desnecessários remakes americanos de produções internacionais, A Agência até que se sai muito bem. Apesar de repetir a série francesa Le Bureau des Légendes quase cena a cena, a refilmagem ao menos atualiza o conteúdo geopolítico para as crises dos dias atuais. O resultado é uma produção que, assim como a original, se mantém ancorada na realidade e não se entrega a fantasias de filmes de ação ou ao suspense barato.
No centro da trama, há as fantasias e a paranoia de um agente secreto apaixonado. Brandon Cunningham (Michael Fassbender), codinome “Marciano”, acaba de voltar de uma missão de seis anos no Sudão, onde recrutava contatos para a CIA (que é a “agência” do título). Experiente e brilhante, ele não deixa nenhum de seus colegas no escritório de Londres perceber o quão precária está sua condição psicológica.
Acontece que não é tão fácil para ele abandonar a sua “lenda”, o fictício personagem “Paul Lewis”, que ele interpretou durante os vários anos de sua missão. Foi Paul Lewis quem começou a ter um tórrido caso de amor com Samia Zahir (Jodie Turner-Smith), uma antropóloga sudanesa casada. Quando Samia aparece de surpresa em Londres, o apaixonado Marciano não resiste e reativa tanto “Paul Lewis” quanto o relacionamento com ela.
Essa é apenas a primeira das decisões incrivelmente questionáveis tomadas por Marciano. Além de quebrar os protocolos de segurança para se encontrar com Samia, ele começa a suspeitar de que ela também seja uma espiã, enviada para se manter próxima a ele e coletar informações para o governo sudanês. Ao invés de pedir ajuda, ele resolve lidar sozinho com essa paranoia.
A Agência é antes de mais nada um estudo de personagem. Ao longo dos dez episódios, o espectador vê o protagonista indo cada vez mais fundo em uma espiral de mentiras e manipulações que colocam todas as pessoas ao seu redor em risco. Nos episódios finais, ele já está tão instável, isolado e desesperado que se coloca em situações nas quais tanto seus adversários quanto seus “aliados” podem explorar seus frágeis e expostos pontos de pressão.
Paralelamente, há várias subtramas bem interessantes em A Agência. A principal delas é o desaparecimento de uma fonte da CIA na Bielorrússia, caso no qual Marciano é imediatamente envolvido. Isso coloca o chefe do escritório de Londres James Bradley/Bosko (Richard Gere) e seu segundo em comando Henry Ogletree (Jeffrey Wright) sob grande pressão. A situação só piora quando o caso afeta uma outra operação da agência, envolvendo os personagens na volátil situação da Guerra da Ucrânia.
Já a subtrama de Samia está relacionada com uma tentativa de um acordo de paz para a Guerra Civil do Sudão, cujas negociações estão ocorrendo em Londres e estão sendo mediadas pelos chineses. A China também estava dentre as preocupações da CIA e da diplomacia dos EUA na segunda temporada de Operação Lioness, série de espionagem mais focada no aspecto paramilitar da operação da agência.
Outro adversário com os quais a CIA se preocupa tanto em Operação Lioness quanto em A Agência é o Irã. Aqui, a jovem espiã Danny (Saura Lightfoot-Leon) está sendo preparada por Naomi (Katherine Waterston) para se infiltrar no programa nuclear do país. Essa subtrama não é relevante para a história desses dez primeiros episódios, mas é ela que prepara uma das principais tramas da segunda temporada, que já foi confirmada.
Marciano precisa então equilibrar todos esses temas enquanto tenta garantir a segurança de Samia e reestabelecer seu relacionamento com sua filha, Poppy (India Fowler). A única pessoa que suspeita de que há algo errado com o agente é a doutora Blake (Harriet Sansom Harris), psicóloga chamada para avaliá-lo depois de seu retorno.
Além de lembrar filmes como Jogo de Espiões e Um Jantar entre Espiões, A Agência e seu trágico protagonista parecem saídos diretamente das páginas do escritor inglês John Le Carré, que foi recentemente homenageado no documentário O Túnel de Pombos. Essa comparação, que também fiz para séries como Glória e Espião/Mestre, é suficiente para comunicar o alto nível de qualidade tanto desse remake quanto da série original.
Resta saber se os americanos vão copiar todas as cinco temporadas de Le Bureau des Légendes ou se ao menos vão alterar a trajetória da trama. Com um grande elenco e roteiros afiados, essa pelo menos é uma cópia de luxo.