Crítica: 7 Prisioneiros
7 Prisioneiros, Brasil, 2021
Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Se 7 Prisioneiros fosse apenas um filme-denúncia, ele já seria bom o suficiente. Porém, o roteiro de Thayná Mantesso e Alexandre Moratto, que também dirige, não se limita a apresentar vítimas e vilões. A trama explora os dilemas pessoais e as questões morais que mantêm viva uma das maiores “tradições” do Brasil: a escravidão. O resultado é uma crua e depressiva desconstrução de uma situação injusta e revoltante, que seria muito mais fácil de processar se fosse um simples conflito do bem contra o mal.
A história do jovem Mateus (Christian Malheiros), que sai do interior de São Paulo em busca de trabalho e se torna prisioneiro do escravizador Luca (Rodrigo Santoro) na capital, revela muitas das verdades menos óbvias sobre a escravidão. A primeira delas é que a mentalidade que viabilizou os 400 anos de escravidão negra ao redor do mundo não desapareceu magicamente conforme esse tipo de trabalho foi sendo oficialmente abolido. Ainda que criminalizada, essa prática jamais deixou de ser um problema no Brasil, com escravizadores desenvolvendo formas cada vez mais criativas e sutis de se aproveitar de pessoas socialmente desamparadas.
Uma outra verdade evidenciada pela trama de 7 Prisioneiros é que a escravidão não é feita com grades e correntes, mas sim com sistemas que tornam fúteis a fuga e o uso de força bruta. No caso do filme, isso é feito com o apoio de policiais corruptos e ameaças às famílias dos aprisionados. No caso da escravidão institucionalizada do passado, e como é mostrado na minissérie documental Escravidão: Uma História de Injustiça (resenha aqui), isso era feito por meio de leis e costumes.
Até o Século 19, se um escravizado fugisse, o fazendeiro poderia contar com a ajuda dos vizinhos e das autoridades para encontrar o fugitivo, ou mesmo publicar anúncios nos jornais prometendo recompensas pela recaptura. Se o escravo se escondesse em um quilombo, também existia a possibilidade das autoridades atacarem o local, que foi o que aconteceu com o Quilombo dos Palmares. Se os escravizados fizessem uma revolução e tomassem o poder no país, potências estrangeiras poderiam tentar intervir para reestabelecer a “ordem”, que foi como a França e, inicialmente, o Reino Unido reagiram à Revolução Haitiana.
Mateus consegue enxergar as “correntes invisíveis” e passa a tomar decisões estratégicas na tentativa de conseguir uma verdadeira libertação daquele cárcere. O que ele acaba descobrindo é que Luca é apenas uma pequena engrenagem, parte de uma máquina muito maior. Isso aumenta ainda mais o peso das decisões que ele precisa tomar, mostrando o equivalente na vida real das situações “ludicamente” representadas na série Round 6 (resenha aqui): o dilema entre tentar fazer a coisa certa ou garantir sua própria sobrevivência.
Ele dá de frente com estruturas paralelas de poder que parecem inalcançáveis pelas instituições do Estado, pois o que realmente mantém o Estado de direito é a vontade que as pessoas têm de mantê-lo; se essa vontade não existe, formas antigas de poder e dominação prosperam sem maiores dificuldades. Não existe como criar uma sociedade justa se a mentalidade das pessoas responsáveis pelas instituições aceita e reflete as muitas injustiças do passado.
É possível afirmar que, depois de uma sessão de 7 Prisioneiros, uma parte da população brasileira ainda seria capaz de defender os escravizadores, utilizando argumentos como “é melhor aqueles jovens serem obrigados a trabalhar do que correrem o risco de virarem bandidos”, ou algo que o valha. Essa mentalidade é mantida por mais de 500 anos de traumas e pobreza, com a violência e a falta de empatia sendo transferidas de geração para geração. O que o filme deixa explícito é um dos processos pelos quais esses traumas são transferidos para a geração seguinte, garantindo que aquela mentalidade se perpetue mais um pouco.
7 Prisioneiros é sobre esse Brasil que existe sob nossa fina camada de Estado de direito, e que já abordei na minha resenha do livro A Máquina do Ódio. Com atuações fantásticas de Christian Malheiros e Rodrigo Santoro, essa história deve servir para dar substância às notícias sobre escravidão contemporânea que lemos rapidamente ao longo dos dias. O maior problema dessa trama é sua previsibilidade, pois, devido à sua abordagem ultrarrealista, nós já sabemos exatamente quem vai sair ganhando e quem vai sair perdendo.
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