Raised by Wolves 2: O Outro Lado da Serpente


Se em sua primeira temporada Raised by Wolves se inspirou em muitos casos de fanatismo religioso que ocorreram ao longo da História, nos dois primeiros episódios da segunda a série passa a explorar os conhecidos casos de fanatismo antirreligioso. Não é por acidente que o “Coletivo” apresentado no primeiro episódio de Raised by Wolves 2 é semelhante aos campos de reeducação que resultaram no genocídio cambojano ou no atual genocídio uigur, que é um dos pontos que vem causando tensões entre o ocidente e a China.

No Coletivo, Mãe (Amanda Collin) e Pai (Abubakar Salim) começam a entender as diferenças entre os intelectuais ateus que eles idealizam e os fanáticos ateus que conseguiram sobreviver aos massacres promovidos pelos religiosos. O cenário é semelhante à diferença entre os intelectuais marxistas e os radicais do Khmer Vermelho, por exemplo, que eram anti-intelectuais e obcecados com o socialismo agrário. O Coletivo também reflete o foco que os regimes comunistas dão ao bem-estar geral em detrimento de vontades e pensamentos individuais.

O Coletivo lembra tanto os campos de trabalho mostrados no filme Os Gritos do Silêncio quanto a seita da Colônia Dignidade, que tinha a estrutura interna de uma comuna mas que era anticomunista. Essa contradição é explicada pelo fato de que o “líder supremo” da Colônia, o “profeta” e abusador pedófilo Paul Schäfer, queria ter poder absoluto sobre seus seguidores mas não queria perder suas terras para um possível regime socialista no Chile. Em Raised by Wolves 2, esse “líder supremo” vem na forma do Íntegro (no original, Trust), uma poderosa inteligência artificial que toma todas as decisões importantes da comunidade ateísta.

Dessa forma, a série mais uma vez mostra o quão difícil é para a humanidade abandonar a religiosidade. Mesmo os radicais ateus obedecem cegamente a uma entidade considerada mais sábia e superior, que toma conta deles e garante o sucesso de suas missões. Mesmo que não seja venerado como um, o Íntegro é obedecido como um deus. Se ele não existisse, talvez os ateus não seriam tão ateus assim.

Isso reflete uma realidade atual: os países com o maior contingente de pessoas ateias são justamente aqueles nos quais o Estado é capaz de prover altos índices de segurança social. Em países nos quais boa parte da população é abandonada à própria sorte, como no Brasil e nos EUA, mais pessoas precisam apelar para crenças místicas e religiosas para poderem lidar com os problemas e com os sofrimentos da vida. Outro sinal disso é que as seitas abusadoras e os autointitulados profetas conseguem angariar seguidores justamente dentre as populações ou as pessoas mais desamparadas.

raised by wolves 2

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Enquanto isso, Marcus (Travis Fimmel) segue em sua guerra santa contra os ateus. Para o Coletivo, ele é um terrorista. Para o espectador, sua figura é a de um homem tomado pela loucura e pela obsessão religiosa. Porém, se o seu movimento crescer e se tornar vitorioso, a História escrita pelos vencedores será de que ele foi um grande “reformista” ou mesmo uma espécie de “profeta moderno” naquela nova realidade humana. Assim como o protestantismo questionou as práticas e as liturgias da Igreja Católica, Marcus questiona as liturgias e os costumes das instituições mitraicas, se concentrando apenas no que ele acredita ser as puras vontades de Sol.

O que ele não abandona é a profecia mitraica que fala de um órfão que se tornará um grande profeta e salvador. No ponto atual, tanto ele quanto Paul (Felix Jamieson) acreditam ser o “escolhido”. A questão é que qualquer pessoa que se encaixe na descrição profética e que seja narcisista o suficiente vai acabar se considerando esse “escolhido”. Isso lembra a trama de Duna, na qual uma profecia “plantada” por uma ordem religiosa se concretiza não porque ela estava destinada a acontecer, mas sim porque as pessoas acreditavam nela.

Mas esses não são os únicos assuntos tratados em Raised by Wolves 2. Tanto Mãe quanto Sue (Niamh Algar) tentam compensar pelos erros cometidos na temporada anterior, inclusive projetando suas próprias inseguranças em seus filhos. E enquanto o Coletivo se junta para caçar uma serpente voadora, as duas personagens também estão começando a investigar o “deus” que colocou vozes nas cabeças de alguns dos personagens e os manipulou conforme a sua própria necessidade.