Crítica: Feria – 1ª Temporada
Feria: La Luz Más Oscura, Espanha, 2022
Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★★★☆
Tão macabra quanto imprevisível, Feria: Segredos Obscuros se encaixa claramente nos moldes das séries de terror e mistério da Netflix, além de lembrar mistérios de ficção científica como Dark e Katla. Mas ao invés de recorrer a viagens no tempo ou a vulcões misteriosos, a série faz um ótimo uso do que se sabe sobre o funcionamento de seitas, representando muito bem os mecanismos de funcionamento de uma seita abusiva. Isso a aproxima da recente série Arquivo 81, apesar dessa outra produção ter influências mais abrangentes. Além de serem parcialmente ambientadas nos anos 1990 (o que também é o caso de Yellowjackets), o maior ponto em comum entre elas é o quão horripilante a trama fica conforme os episódios vão avançando.
Um evento chocante na noite de São João da pequena cidade de Feria muda completamente as vidas das irmãs Eva (Ana Tomeno) e Sofia (Carla Campra), além de chocar toda a população local. Os pais das garotas, Elena (Marta Nieto) e Pablo (Ernest Villegas), ficam desaparecidos e se tornam suspeitos de serem os líderes de uma seita de suicídio. A tarefa de desvendar o mistério fica a cargo do investigador Guillén (Isak Férriz), que vem de fora da cidade e é levado até o limite de sua paciência durante a investigação.
Por mais que essa trama de fantasia possua óbvios elementos sobrenaturais, a representação que ela faz do funcionamento de uma seita abusiva é quase didática. As técnicas de manipulação e o discurso do “Culto da Luz” são bem típicos desse tipo de organização: os membros se aproximam de uma pessoa fragilizada e a oferecem acolhimento e respostas. Eles dizem que ela é especial e precisa se afastar da única família que lhe resta; que o mundo real (ou material) não passa de uma ilusão e que apenas eles conhecem o mundo de verdade (o espiritual), sendo os únicos que podem conduzi-la até lá; que a morte é apenas uma transição para um outro “reino”, onde não há sofrimento e a vítima poderá ter o que ela mais deseja.
E tudo isso funciona. A vítima fica completamente sob o domínio da seita, acreditando apenas na realidade interna do grupo e renegando as pessoas externas como tolas e desconhecedoras da única “verdade”. Sob essa fé cega, tudo o que os membros do grupo fazem é justificável em nome de um suposto bem maior, mesmo quando as ações são obviamente criminosas. Depois de um tempo, a única realidade que a vítima leva a sério é a realidade da seita, o que leva seu comportamento a também se tornar manipulador e abusador. Diante disso, mesmo se não houvesse demônios e possessões, a trama de Feria já seria bem assustadora.
Mas Feria também é um deleite para os olhos. A câmera faz questão de enquadrar as belas e pitorescas paisagens da Espanha sempre que possível, transportando o espectador para um mundo antigo onde tudo parece possível. E apesar da fotografia nem sempre estar 100%, os efeitos especiais funcionam muito bem para representar a escuridão que se esgueira pelos cômodos e pelas ruas da pequena cidade. Fora isso, a série faz um extensivo uso de cenas de nudez, na maioria das vezes de forma naturalística e sem maiores tabus.
Feria: Segredos Obscuros não deixa os mistérios para serem resolvidos apenas nos episódios finais, e já avança com certa velocidade ainda na primeira metade da temporada, que possui oito episódios. Os maiores problemas dessa temporada inicial estão em um triângulo amoroso completamente desnecessário e nos momentos finais do último episódio, que não dão um desfecho para essa primeira parte da história. Por mais que um dos criadores já disse que quer fazer mais duas temporadas, se elas não forem aprovadas, a trama terminará com um grito desesperado e um final extremamente infeliz.