Crítica: Não Olhe Para Cima
Don’t Look Up, EUA, 2021
Netflix · Trailer · Filmow · IMDB · RottenTomatoes
★★☆☆☆
Há várias mensagens importantes sendo transmitidas por Não Olhe Para Cima, mas elas são entregues por meio de uma comédia que varia entre o moderadamente engraçado e o dolorosamente sem graça. De alguma forma, o filme fica cansativo ainda na primeira metade das suas longas duas horas e dezoito minutos de duração, que incluem duas cenas pós-créditos. No fim das contas, a produção é muito mais informativa do que engraçada, o que é extremamente problemático para o que deveria ser uma comédia de humor negro.
Não é que os aspectos mais sérios tirem a graça da comédia, mas sim que a maioria das piadas simplesmente não funciona. As atuações de Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence como dois cientistas que tentam alertar sobre o fim do mundo são muito boas, mas são prejudicadas por um roteiro desprovido de inspiração e por uma edição que não faz o menor sentido. Muitas das piadas que funcionam no trailer do filme não funcionam no produto final justamente por causa da edição, que está tentando fazer algo que até agora eu não entendi.
A premissa de Não Olhe Para Cima poderia resultar em um novo clássico se colocada nas mãos de um satirista do calibre de Armando Iannucci, que dirigiu filmes como Conversa Truncada e A Morte de Stalin. Porém, nas mãos de Adam McKay, responsável por ótimas produções como A Grande Aposta e Vice, a trama se mostra incapaz de fazer proveito da energia oferecida pelos protagonistas e pelo grande elenco de apoio, que inclui nomes como Meryl Streep e Cate Blanchett.
A mensagem em si é bem importante, utilizando a metáfora de um asteroide em rota de colisão com a Terra para representar os perigos oferecidos pelo aquecimento global, e mostrando que muitas pessoas só vão acreditar na ameaça quando ela se tornar absurdamente óbvia e quando for tarde demais para evitá-la. Porém, se a atual pandemia de COVID-19 nos ensina algo, é que provavelmente muitas pessoas morreriam devido aos efeitos do impacto do asteroide sem acreditar que o asteroide é real.
Não Olhe Para Cima também ilustra muito bem como mesmo os cientistas que alertam para o perigo podem se deixar levar pela lógica da economia da atenção ou pela superficialidade da cultura de celebridades. A vazia dinâmica de comunicação por meio das redes sociais ou por canais de publicidade faz com que informações vitais para a sobrevivência da humanidade concorram com fofocas sobre celebridades ou com os interesses de marcas gerenciadas por pessoas de curta visão estratégica. Muitas delas não entendem que se o mundo acabar ou se a civilização ruir não será possível melhorar os lucros do trimestre ou o crescimento anual do PIB.
Com o personagem interpretado por Mark Rylance, a trama também alerta para a diferença entre as medidas tomadas com base no método científico e as medidas tomadas com base no ego de um bilionário que se considera um genial visionário, em uma clara referência à “genialidade” de Elon Musk. Enquanto a ciência se baseia em dados que podem ser revisados e questionados por vários especialistas, Isherwell (Rylance) se baseia em otimismo burro e na crença de que, se ele é muito rico, ele deve ser muito inteligente. Isso se estende para seus engenheiros, que ele considera mais qualificados do que quaisquer acadêmicos convencionais e que provavelmente só falam o que ele quer escutar.
O ato final de Não Olhe Para Cima é razoavelmente bom, mas só chega depois de quase duas horas de tentativas frustradas de comédia. Apesar de pessimista, a conclusão se salva por abraçar a dramática melancolia da história sem tentar ser mais inteligente ou mais engraçada do que o necessário. Quando as pessoas precisam lidar com a realidade da situação, o filme entra em um modo mais sincero e reflexivo, nos lembrando da realidade da nossa própria situação nesse ano de 2021.