Narcisismo, Liderança e Juventude
A energia e o entusiasmo da juventude são importantes para dar origem a novas ideias e a novas formas de ver o mundo a cada geração. Sem elas, a estagnação tomaria conta e dificilmente a humanidade teria percorrido o épico percurso desses últimos milênios. Porém, quando o entusiasmo e o desejo de mudança saem do controle, a juventude também pode perder a perspectiva das consequências de seus atos e criar novos problemas, ou repetir tragédias do passado. Essa é a ameaça do narcisismo.
Na República de Weimar, a Juventude Hitlerista era responsável por “nazificar” crianças e adolescentes, se tornando um dos pilares do regime nazista. Na China maoista, a Guarda Vermelha era formada por jovens ativistas apoiadores do regime e foi responsável por massacres que mataram milhares de pessoas. O grupo passou a ser considerado radical demais pelo próprio Mao Tsé-Tung e foi reprimido pelo exército chinês.
Na Indonésia dos anos 1960, muitos jovens formaram ou foram recrutados por milícias de caçadores de “comunistas”, resultando em massacres que vitimaram centenas de milhares de pessoas. Os critérios para alguém ser considerado “comunista” variavam, mas as principais vítimas eram pessoas filiadas a sindicatos ou a partidos políticos de esquerda, além da população de etnia chinesa que morava no país. Já no Irã dos anos 1970, movimentos de universitários marxistas ajudaram a derrubar a ditadura do Xá Pahlavi com a revolução de 1979. Porém, o regime teocrático que se instalou posteriormente os reprimiu de forma violenta, fechando universidades e chegando a condenar estudantes e professores à pena de morte.
O entusiasmo da juventude também é um dos fatores que levam organizações terroristas a recrutarem jovens idealistas para atentados suicidas, fazendo-os acreditar que eles estão realizando algo importante para “a causa” e que serão muito bem recompensados no reino dos céus. Pensamentos semelhantes levam outros jovens a se aproximarem de ideologias de extrema-esquerda e extrema-direita, sendo seduzidos por ideias autoritárias por se apegarem a certezas inabaláveis.
Parte dessas tendências podem ser explicadas pelo narcisismo típico da juventude. Quando começamos a aprender sobre o mundo, todos nós passamos por uma fase na qual achamos que já sabemos tudo o que precisamos saber. A certeza é tanta que não conseguimos sequer levar em conta que existem outras formas de se olhar para o mundo, sob outros pontos de vista, com base em outras experiências de vida. Os problemas mais sérios começam a aparecer quando acreditamos que nosso ponto de vista é tão justo e correto que qualquer coisa que for feita em nome dele é justificável. A pessoa se torna uma extremista quando ela passa a acreditar que os fins justificam os meios.
Há também o problema das pessoas que jamais abandonam essa fase narcisista. São “jovens” de todas as idades que jamais amadureceram o suficiente para entender que eles não são o centro do universo; que existem pessoas que pensam de forma diferente e que elas também merecem ser ouvidas e respeitadas. Para o narcisista, a única visão de mundo aceitável é a visão dele e das pessoas que concordam com ele; se ele não gosta de algo, então ninguém deveria gostar. Quem discorda deve ser reprimido ou, de alguma forma, “eliminado”. E é assim que a imaturidade leva ao narcisismo e, consequentemente, ao autoritarismo.
É por isso que é muito fácil encontrar pontos em comum entre pessoas que sofrem de narcisismo patológico (ou Transtorno de Personalidade Narcisista) e líderes autoritários. Por exemplo, um portador do transtorno apresenta sinais como: se considera único e superior aos outros; acredita que é mais poderoso, inteligente ou atraente que todos ao seu redor; precisa constantemente de admiração; tem falta de empatia e tendência a explorar outras pessoas; tem inveja de outros e acha que todos têm inveja dele.
De forma similar, um líder autoritário apresenta características como: prefere ter controle total sobre os subordinados, sendo incapaz de dar-lhes autonomia; não aceita críticas e impõe seu modo de pensar ou trabalhar; considera sua opinião como a mais importante; se mantém sempre em uma posição de superioridade, recorrendo à hierarquia do cargo para se impor; não estimula a criatividade e a inovação, pois isso diminuiria seu controle sobre os subordinados.
Em outras palavras, o líder autoritário ou narcisista se considera infalível e detentor de toda a verdade. Como quaisquer outros narcisistas, ele é incapaz de enxergar ou reconhecer as próprias falhas ou limitações. Se algo dá errado, ele dará um jeito de responsabilizar quaisquer outras pessoas pela situação e jamais vai reconhecer o erro, por mais insignificante que seja. Ele quer todo o poder mas nenhuma responsabilidade, além de fazer apenas o que ele quer e não aceitar críticas ou sugestões. Além disso, é o tipo de líder que tenta se impor pelo medo, fazendo ameaças e aplicando punições, ou mesmo inventando ameaças internas ou externas e se apresentando como o grande salvador. O importante para ele é se manter no poder.
Porém, enquanto muitas pessoas se sentem oprimidas por esse tipo de liderança, outras se sentem atraídas por ela. A imagem de infalibilidade e onipotência projetada pelo líder autoritário é perfeita para quem está em busca de uma figura paterna ou paternalista. O líder se torna a pessoa que vai resolver todos os problemas e fazer tudo ficar bem. O fato de que ele sempre age como se fosse o maior dos especialistas e como se fosse capaz de resolver todos os problemas transmite uma sensação de conforto e segurança que a maioria de nós só sentiu durante a infância e, talvez, a adolescência.
O que faz a diferença para a pessoa se sentir oprimida ou “bem cuidada” é se ela concorda com as ideias do autocrata. Por exemplo, para uma pessoa de extrema-esquerda, um ditador de direita é inaceitável, mas um de esquerda é visto como “correto” ou, pelo menos, “razoável”. A mesma lógica vale para a extrema-direita. Isso revela o narcisismo do próprio cidadão: se o líder pensa como EU penso, eu quero que ele tenha todo o poder e que ninguém coloque limites em sua atuação; mas se o líder pensa diferente de mim, então ele deve ser completamente desprovido de poder.
E assim, o narcisismo acaba mais uma vez definindo os posicionamentos dos “jovens” de todas as idades. Por mais difícil que seja, é preciso entender que nenhum de nós jamais terá todas as respostas para todos os problemas do país ou do mundo. Nossa melhor opção é colocar nosso ego em xeque e dialogar com as pessoas ao nosso redor. É impossível agradar a todo mundo ao mesmo tempo, mas é possível negociar caminhos e estratégias que todos possam compartilhar, seja como organização ou como comunidade.